Michael Weinstein, antes de comandar a mais importante e poderosa instituição privada que acolhe e promove tratamento para pessoas com HIV no mundo, foi empresário e designer gráfico.
Seu trabalho começou e cresceu quando um grupo de amigos passou a se dedicar e cuidar com amor, amizade e dignidade das pessoas que estavam com Aids em fase terminal.
Fundada em 1987, a AHF (Aids Healthcare Foundation) teve sua origem em uma rede de clínicas e casas de repouso que atendiam pessoas que haviam se infectado com o vírus HIV, com espaço de acolhimento para pacientes em fase aguda da doença.
Gradativamente, o trabalho foi crescendo. As clínicas foram se transformando em centros de saúde e construiu um novo paradigma para os cuidados do HIV, tanto nos Estados Unidos, como em todo o mundo.
Weinstein é presidente e cofundador da AHF e supervisiona uma instituição multibilionária. A missão é fornecer “medicina de ponta e defesa de direitos, independentemente da capacidade de pagamento” a qualquer pessoa que bater às portas da organização.
A AHF atende atualmente mais de 1,5 milhão de pessoas nos EUA, África, América Latina e Caribe. Também estão presentes na Ásia, na região do Pacífico e na Europa Oriental.
A fundação opera com cerca de 730 clínicas de tratamento em 46 países. Existem 68 centros de saúde ambulatoriais em 16 estados nos EUA e em Porto Rico. A AHF também responde pela administração de 60 farmácias distribuídas por 17 estados americanos e mantém uma unidade de pesquisa clínica.
No Brasil, a AHF fundou, em 2018, a Clínica do Homem, em Recife (PE). Por lá, profissionais de saúde realizam testagem, aconselhamento, prevenção e tratamento de pessoas com HIV.
Na capital paulista, na região da Praça da República, foi inaugurada em dezembro de 2022 a Clínica Comunitária de Saúde Sexual da AHF que, a exemplo da clínica em Recife, cuida da saúde integral de populações conhecidas como vulneráveis.
Em todo o mundo, a fundação já atendeu mais de 1.943.914 pessoas. Eles mantêm a ambiciosa meta de cuidar de 20 milhões de pessoas que vivem com HIV/Aids em todo o planeta.
Michael Weinstein esteve em São Paulo para uma reunião de planejamento estratégico com diretores da América Latina e Caribe.
Um pouco tímido, quando provocado para falar português e cumprimentar as pessoas com HIV/Aids no Brasil arriscou-se, deu risada, topou o desafio e disse prontamente: “Bom dia Brasil”, evidentemente com um sotaque carregado.
Em determinado momento elogiou a construção da resposta brasileira. “O país é um líder no combate à doença”, afirmando que se inspirou muito com as ações brasileiras.
O senhor escreveu em um artigo publicado na Newsweek que “o verdadeiro fim da Aids como uma pandemia global só ocorrerá quando houver uma redução drástica de novas infecções”. Por que as pessoas continuam se infectando com HIV 40 anos após o seu aparecimento?
Bem, eu acho que há vários motivos. Se você pensar sobre isso do ponto de vista médico, há duas maneiras de controlar o HIV. Uma seria ter todas as pessoas vivendo com HIV em tratamento e, portanto, elas não transmitiriam o HIV para outros, certo? Neste sentido, ainda temos muitos caminhos a percorrer. Temos mais de 15 milhões de pessoas que estão infectadas e não estão em tratamento com antirretrovirais.
O outro aspecto é que estamos dependendo quase exclusivamente de soluções biomédicas, ou seja, abandonamos a prevenção primária. Abandonamos a promoção dos preservativos. Abandonamos o conceito de encorajar as pessoas a terem menos parceiros sexuais.
A AHF opera globalmente em 46 países. Quais são os maiores desafios no trabalho com o HIV em cada país, com as suas culturas, histórias e peculiaridades individuais?
Trabalhamos juntos aos governos de cada país, para cooperar com eles de uma forma que promovam mais cuidados e melhores políticas [de saúde]. Em cada país, a estrutura é diferente e a cultura também. Então você tem que se adaptar a isso. Uma das maneiras de fazer isso é depender exclusivamente de pessoas locais.
Mas o outro aspecto é que há estigma em todos os lugares. É pior em algumas situações do que em outras, mas existe em todos os lugares. Temos que criar um ambiente que seja confortável para as pessoas, e mesmo que elas enfrentem a discriminação ou o estigma, elas ainda queiram vir para nós.
Então, um grande aspecto do que nós fazemos é realmente fazer a pessoa se sentir bem-vinda. Uma das dificuldades que enfrentamos é que em boa parte dos países a pessoa vai até o serviço de saúde e espera horas por um atendimento. Isso é muito inconveniente, e pode afastar o paciente dos cuidados. Um dos maiores problemas que enfrentamos é o fato de que temos milhões de pacientes que sabem que vivem com HIV, receberam cuidados pelo menos uma vez, e não deram continuidade ao tratamento.
Quem o senhor considera seus principais aliados nesta batalha e quem considera seus principais inimigos?
Bem, eu diria que o que sustenta a AHF é o time, são as pessoas que trabalham com a gente. Nós temos 7.600 pessoas trabalhando em diferentes lugares do mundo. Então, é nisso que eu mais confio e que sustenta o esforço de todos.
Além disso, os governos são nossos aliados e, mesmo quando eles não gostam de seguir nossas indicações, ou, às vezes, eles podem ser obstinados sobre certas coisas, eles vêm, e eles têm adaptado, entendido e praticado o que nós indicamos. Então, eu considero os governos aliados muito importantes.
Há outros parceiros que estão trabalhando fora das clínicas. Eles não são responsáveis por cuidados diretos como nós, são aliados na busca de direitos de pacientes ou em mobilização comunitária.
Quais ações de trabalho o Brasil, a América Latina e o Caribe podem esperar da Fundação?
Nós vamos conversar, em poucas semanas, aqui em São Paulo, com delegações de toda a América Latina, em conjunto com a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde). Vamos dizer que é preciso investir na prevenção das ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis).
Elas estão realmente fora de controle em muitos lugares do mundo, particularmente aqui na América Latina. Nós vemos uma explosão de casos de sífilis e isso nos preocupa porque facilita a infecção pelo HIV.
Como uma organização de saúde pública, estamos percebendo pouca atenção para este tema. E nós tivemos uma boa cooperação com a Opas. Pensamos que podemos fazer algumas mudanças profundas e que muitos países possam adotar diferentes políticas. Pensando nisso, precisamos de mais testes para as ISTs e acesso mais fácil ao tratamento.
Além disso, como eu disse antes, queremos que os governos prestem atenção para essa questão. Vale destacar que varia, de acordo com o país, porque, por exemplo, no México, há um percentual muito maior de pessoas que são soropositivas e não sabem, então a testagem é uma prioridade.
Aqui, a maioria das pessoas que vivem com HIV já foram diagnosticadas. Mantê-las em cuidados é um desafio maior. Eu devo dizer que o Brasil é um líder, e tem sido assim por décadas na área do HIV/Aids, e as ações que aconteceram aqui, nos últimos anos, me inspiraram muito. O Brasil enfrentou a indústria farmacêutica [para a produção de antirretrovirais genéricos]. Há muito o que aprender com o Brasil.
Quando digo a palavra Aids, qual o maior desafio?
Acho que o maior desafio é a vergonha pela sexualidade. Acho que somos hedonísticos, no sentido de que queremos viver um momento sexualmente, mas por outro lado tratamos disso pela moralidade, como se fosse uma vergonha. Então, acho que sempre vai ser difícil subjugar a Aids enquanto não houver uma aceitação da sexualidade como parte fundamental da vida. Nós enfrentamos dificuldades com religião em muitos países, além do fato que alguns governos não querem discutir esses assuntos.
Qual é o seu sonho, o seu primeiro sonho, quando eu digo a palavra Aids?
Um fim, um fim absoluto. O mundo livre de Aids, permanentemente.
Uma palavra para definir a Aids no mundo?
Tragédia.
Qual é a sua mensagem para as pessoas que vivem com HIV/Aids no planeta?
Quero dizer para vocês que existe tratamento disponível em quase todos os lugares e, provavelmente, onde você esteja nesse momento. Então, não deixe nenhum obstáculo te impedir. Sua vida tem valor. E há pessoas, há um grande contingente de pessoas que podem te ajudar. E, não é só isso: um diagnóstico positivo para o HIV não é uma sentença de morte. Você pode viver uma vida longa, feliz e normal.