Alergias podem estar associadas à microbiota – 09/05/2024 – Equilíbrio


Há décadas o número de casos de alergias –primaveris, alimentares e de pele, por exemplo– vem aumentando, a ponto dos processos alérgicos serem considerados uma epidemia mundial. Esse fenômeno surpreendente levanta muitas questões: quais são os fatores de risco para as alergias? É bom ser infectado por patógenos para preveni-las? Os agentes químicos aos quais estamos cada vez mais expostos desempenham algum papel? A genética é culpada e devemos nos conformar com isso?

Estudos recentes acrescentam outro fator a essa complicada equação: a microbiota. Tentaremos esclarecer todas essas questões.

A hipótese da higiene

Em 1989, o epidemiologista David P. Strachan propôs a chamada “hipótese da higiene” para explicar o aumento da incidência de doenças alérgicas, como asma, febre do feno e eczema. Após acompanhar 17.414 pessoas até 23 anos, Strachan propôs que crescer em uma família onde várias crianças vivem juntas diminui a probabilidade de alergias. O motivo? Aumento da infecção cruzada entre irmãos.

Surgiu então a ideia de que a redução das infecções entre as pessoas nas sociedades ocidentais avançadas devido à higiene e aos avanços médicos também levou a uma redução das respostas imunológicas do tipo 1, aquelas que nos protegem contra vírus e bactérias patogênicos. Isso, por sua vez, leva a um risco maior de respostas imunológicas descontroladas do tipo 2, ou seja, doenças alérgicas. Esse último tipo de reação nos protege contra parasitas helmintos (vermes), danos físicos e químicos e venenos, por exemplo.

Estudos posteriores qualificaram essa hipótese, concluindo que nem todas as infecções previnem alergias. O oposto pode até ser verdadeiro: infecções por VSR (vírus sincicial respiratório) ou rinovírus em uma idade precoce estão associadas a uma maior probabilidade de desenvolver asma.

A importância de adquirir um microbioma saudável na infância

Atualmente, considera-se que a tolerância a alérgenos –ou seja, a ausência de reações do sistema imunológico a coisas que não representam um risco à nossa saúde– depende de uma colonização microbiana adequada e de um ambiente imunoestimulador desde os primeiros momentos da vida. E ambos são, em parte, adquiridos da mãe.

Foi relatado que a dermatite de reação à fralda com mais de um mês de duração em bebês está relacionada à alergia alimentar. Essa descoberta levou à proposição de que a primeira exposição a alimentos que desencadeiam reações alérgicas frequentes, como o amendoim, induziria à tolerância, como se dissesse ao sistema imunológico: “isso é um alimento, não um patógeno”. Por outro lado, o uso de hidratantes com componentes derivados de alimentos, como o óleo de amendoim, promoveria não apenas a irritação da pele, mas também o desenvolvimento de reações alérgicas.

Bactérias relacionadas à asma

Se não existir equilíbrio entre o sistema imunológico e a microbiota nos primeiros anos de vida, poderemos nos deparar com uma disbiose ou microbiota patogênica. Para explorar mais essa conexão, o risco de asma e sua relação com o microbioma foi recentemente estudado.

Os pesquisadores examinaram o conjunto de genes de bactérias presentes nas fezes de mulheres grávidas no terceiro trimestre e em crianças entre três meses e um ano de idade. Autores do estudo encontraram determinados grupos de bactérias diferentes entre crianças com e sem asma. Além disso, descobriram que o parto por cesariana reduz a presença do grupo Bacteroides, que está associado a uma maior probabilidade de asma em crianças pequenas.

No caso de alergias alimentares, também foi demonstrado que a microbiota saudável induz tolerância aos alérgenos, principalmente por meio da promoção da formação de linfócitos T reguladores (inibidores da resposta imunológica). Um estudo realizado no Boston Children’s Hospital, liderado pelos médicos Rima Rachid e Talal Chatila, encontrou disbiose em crianças com alergias alimentares.

Os cientistas também administraram bactérias (bacterioterapia) em camundongos suscetíveis à alergia devido a uma alteração genética no receptor de interleucina-4 (uma proteína que desempenha um papel muito importante nas respostas imunológicas do tipo 2) e observaram melhora nos processos alérgicos.

Em outras palavras, a microbiota é muito importante no desenvolvimento de alergias, embora o componente genético não possa ser deixado de lado.

Nesse sentido, certas mutações genéticas ilustram que as alergias são o produto de respostas imunológicas do tipo 2 “exacerbadas e fora de contexto”. Essas mutações resultam em doenças alérgicas muito graves, caracterizadas por dermatite atópica, imunoglobulina E (IgE) sérica elevada e eosinófilos (um tipo de célula do sistema imunológico) elevados, além de outros problemas de desenvolvimento.

Em conclusão, a compreensão da genética por trás das alergias permitirá o desenvolvimento de novos medicamentos, como os bloqueadores do receptor de interleucina-4. Além disso, a elucidação de como a microbiota “saudável” é capaz de evitar respostas desproporcionais do sistema imunológico pode levar ao desenvolvimento de tratamentos probióticos para melhorá-las e evitar as reações anafiláticas mais perigosas.



Fonte: Folha de São Paulo

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