Caminhada em labirinto vira ‘remédio’ para o estresse – 24/05/2024 – Equilíbrio


Estou andando lentamente por um parque levemente inclinado em um lugar que eu não sabia que existia até começar a pesquisar para este artigo. Já passei por esse parque centenas de vezes a apenas um quilômetro e meio de minha casa, na cidade costeira inglesa de Brighton and Hove, sem perceber que ele continha um labirinto.

Criado pelo artista Chris Drury em 2006, o labirinto é inspirado no complexo padrão de uma impressão digital gigante de 40 metros de largura, marcado por pedras colocadas na grama.

À medida que me concentro em seguir o seu caminho interior, vou esquecendo das pessoas que correm ou passeiam com cães ao meu redor e entro em um estado mais contemplativo enquanto percorro o sinuoso percurso de mais de 600 metros até ao seu centro.

Os labirintos têm sido usados em todo o mundo há séculos como uma forma de aquietar a mente, aliviar a ansiedade, recuperar o equilíbrio da vida, aumentar a criatividade e melhorar as inspirações. Durante a Idade Média, quase 25% das catedrais possuíam labirintos, e andar em um deles hoje em dia virou uma atividade global cada vez mais popular para desestressar, integrando a mente e o corpo.

Mas não confunda labirintos de meditação com labirintos complexos. Os labirintos complexos deixam as pessoas confusas, com seus becos sem saída e a constante ameaça de que vão se perder. Em contraste, os labirintos para meditação são baseados em desenhos clássicos onde, por mais complexo que seja o percurso, a pessoa sempre terá um caminho livre em direção ao seu centro.

“O labirinto [para meditação] é um caminho seguro em tempos imprevisíveis”, diz a Reverenda Lauren Artress, que fundou a organização sem fins lucrativos Veriditas em 1996 para ajudar a “lotar o planeta de labirintos”.

Exemplos de imagens clássicas de labirinto datam de 4 mil anos. Na Europa e no Norte da África, desenhos de labirintos apareceram em esculturas e pinturas rupestres, bem como inscrições em azulejos e moedas.

Em toda a Ásia, nas Américas e no sul da África, eles eram esculpidos na rocha ou na areia e adornados em cestos de tecido. Juntamente com essas profundas raízes históricas, a prática de caminhar pelo labirinto pode ter outro apelo para o ocupado povo moderno.

“Muitas pessoas, como eu, ‘fracassaram’ ao tentar fazer meditação sentadas”, diz Artress. “Uma meditação andando exige a mesma consciência interior.”

Na verdade, a caminhada no labirinto passou por um renascimento nos últimos anos. Desde 2009, no primeiro sábado de maio, pessoas de todo o planeta comemoram o Dia Mundial do Labirinto percorrendo caminhos longos e curtos através de uma vasta gama de labirintos que floresceram em todo o mundo nas últimas décadas.

O Localizador Mundial de Labirintos da Labyrinth Society agora lista cerca de 6,4 mil labirintos em mais de 90 países.

E labirintos estão sendo criados em ambientes muito diferentes do meu parque local.

“Para pessoas em hospitais e prisões, caminhar no labirinto como uma prática de integrar mente-corpo pode ajudar em curas, além das formas tradicionais de tratamento médico ou aconselhamento”, diz Jocelyn Shealy McGee, professora assistente na Escola de Serviço Social Diana R Garland da Baylor University, no Texas.

“Nossa pesquisa descobriu que caminhar no labirinto pode promover uma sensação de paz e outras emoções positivas, reduzir o estresse, cultivar a autocompaixão e a conexão e fornecer uma oportunidade para reflexão sobre a vida e a construção de significado.”

Isso ocorre por meio de uma combinação do progresso seguro até o centro do labirinto e da necessidade de avançar lenta e cuidadosamente, seguindo as voltas e reviravoltas do caminho.

Inúmeras formas de labirintos históricos podem ser encontradas em todo o mundo. Versões de pedra nórdica alinham-se nas margens do Mar Báltico, enquanto padrões de labirinto conhecidos como Chakra Vyuha (“Formação de Roda Giratória”) estão inscritos nas paredes dos templos indianos. A arte tribal dos nativos americanos inclui o icônico padrão Tohono O’odham (“Homem no Labirinto”).

Muitos labirintos, entretanto, seguem sugestões de design de dois modelos clássicos. Datados de mais de 3 mil anos, os labirintos de Creta têm o nome da ilha mediterrânea onde as formações teriam se originado na mitologia grega e consistem em um único caminho que vai e volta para formar sete circuitos (caminhos concêntricos) ao redor do centro.

O padrão Chartres, por sua vez, apresenta onze circuitos e leva o nome da magnífica catedral francesa cujo piso abriga seu exemplo mais famoso. Os labirintos baseados no desenho de Chartres tornaram-se populares na Europa medieval, em parte como uma forma de miniperegrinação que era muito mais fácil —e mais segura— do que ir a Jerusalém ou caminhar até Santiago de Compostela.

Um gigante recente

Minha própria peregrinação pelo labirinto leva a um lago em meio à beleza selvagem de Bodmin Moor, no condado mais ocidental da Cornualha, na Inglaterra. É aqui que o labirinto de Kerdroya está quase concluído após vários anos de trabalho, em homenagem a uma palavra da Cornualha que pode ser traduzida aproximadamente como “castelo de curvas”.

Com base em um padrão cretense de 56 metros de diâmetro, ele está sendo construído usando um tipo de parede de pedra seca conhecido como cerca-viva da Cornualha (“Cornish hedging”). Em uso há aproximadamente 4 mil anos, a cerca-viva da Cornualha está entre as estruturas mais antigas construídas pelo homem no Reino Unido.

“Apresentei a ideia há 20 anos, mas não obtive apoio ou financiamento —por isso ficou numa gaveta empoeirada”, afirma Will Coleman, diretor artístico da organização cultural Golden Tree da Cornualha, que está por trás da concepção e da construção deste imponente labirinto.

“Então, em 2018, a Área de Beleza Natural Extraordinária da Cornualha [união de locais turísticos da região] lançou um chamado para projetos para celebrar a paisagem da Cornualha.”

Quando esta impressionante obra for aberta ao público em setembro, ela reivindicará o título de maior labirinto de paredes de pedra do mundo. A obra também está ajudando a formar 60 jovens especialistas em cercas-vivas da Cornualha para ajudar a preservar este tipo antigo de artesanato.

A construção de Kerdroya em um dos pântanos mais selvagens da Inglaterra inclui o uso de pedras de base para suas paredes de um lago adjacente, onde uma cobertura secular submersa da Cornualha foi recentemente revelada sob sua superfície durante um quente verão.

“Não tínhamos permissão para usar máquinas industriais no local, então usamos cavalos, trenós e correntes humanas para mover as pedras”, diz Coleman.

Caminhando comigo até o que será o centro de Kerdroya quando todas as cercas de pedra estiverem no lugar, Coleman mostra uma placa de metal que retrata uma vista aérea do labirinto gigante para permitir que os visitantes vejam o caminho que seguiram.

O labirinto também incluirá trilha de áudio para pessoas com deficiências visuais. “Mas será muito leve na interpretação. Não estou dizendo às pessoas o que pensar —elas podem fazer o que quiserem com isso. E no futuro irão simplesmente desfrutar do formato bonito e icônico”, diz Coleman.

Ele também revela como o antigo padrão cretense do labirinto foi inspirado em um outro esculpido na rocha ribeirinha no deslumbrante Vale Rochoso, perto do histórico vilarejo de Tintagel, na Cornualha.

Acredita-se que as esculturas de Rock Valley tenham cerca de 300 anos, mas Coleman explica que os desenhos do labirinto refletem um modelo de 1,3 mil anos encontrado na rocha em Knidos, no sudoeste da Turquia. Embora eu esteja parado olhando para um lago até uma vasto campo inglês, minha cabeça está viajando através do tempo e do espaço.

Encontrando o dharma digital

Os labirintos históricos também têm inspirado uma tendência contemporânea dos chamados “labirintos de dedos”. Essas versões modernas de esculturas rupestres antigas oferecem caminhos para a reflexão, criando padrões impressos ou em relevo que os usuários podem traçar à mão, deixando seus dedos viajarem até o centro do padrão.

Talvez o exemplo mais ambicioso —e inesperado— de labirintos de dedos esteja gravado em placas em 272 estações da vasta rede de metrô de Londres, onde os dois designs mais recentes foram revelados em 2023 nas paradas de Nine Elms e de Battersea Power Station.

Tendo descoberto sua existência pouco antes de minha viagem à Cornualha, tive o prazer de encontrar um deles pela primeira vez por acaso na estação de metrô de Paddington, enquanto me dirigia para o trem noturno Night Riviera, que oferece uma maneira maravilhosamente livre de estresse para se chegar à Cornualha vindo do coração da capital.

O projeto do metrô de Londres foi ideia do artista vencedor do Turner Prize, Mark Wallinger, trabalhando em colaboração com os renomados designers de labirintos globais Mazescape. Um desafio foi diferenciar os desenhos do labirinto de cada estação, para refletir a ideia de que cada viagem no metrô é única para cada pessoa.

Para criar 272 designs de labirinto diferentes, o Mazescape mergulhou em uma infinidade de tipos de designs históricos.

“Meu favorito é o padrão tradicional do nativo americano Tohono O’odham”, revela o designer do Mazescape, Angus Mewse. “Gosto da forma como o caminho se estreita à medida que avança —dá uma sensação de drama e intensidade crescentes à medida que nos aproximamos do centro.”

Os labirintos do metro de Londres constituem agora a base para uma nova peregrinação urbana.

“Ouvimos regularmente através das redes sociais ‘caçadores de labirintos’ que viajam para cada estação para tirar uma foto”, revela Eleanor Pinfield, chefe de arte no metrô.

A criação de novos labirintos em cenários que vão desde o metro de Londres até os campos selvagens é uma marca da sua onipresença profundamente enraizada.

Então comece a caminhar. E não se preocupe, você não vai se perder.

Outros labirintos famosos

O maior labirinto clássico do mundo é o Labirinto de Terra e Flores Silvestres de Jim Buchanan, com 130 metros de diâmetro, construído em Tapton Park, no norte da Inglaterra, usando terra de trabalhos de escavação.

A artista terrestre americana Anne Drehfal constrói labirintos temporários brilhantes usando neve fresca em sua terra natal, Wisconsin. “Os labirintos pedem-nos que pensemos no nosso ambiente numa escala diferente”, diz ela. “E desacelerar enquanto faz isso.”

O recentemente concluído El Santuario de los Pobladores (Santuário dos Colonizadores) no Colorado —o maior labirinto de adobe feito à mão do mundo— foi construído com mais de 40 mil tijolos de barro.

Texto publicado originalmente aqui.



Fonte: Folha de São Paulo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

?>