Em um mundo cada vez mais (insuportavelmente) quente, a indústria do turismo está entre as mais vulneráveis ao aquecimento global. E os efeitos do caos climático já podem ser sentidos tanto na mudança dos padrões das viagens de passeio quanto nos novos programas oferecidos por destinos de todo o mundo, nos dois hemisférios.
Batizadas “nighttime wellness”, as experiências de bem-estar noturnas criadas pelos hotéis e resorts mais luxuosos crescem em ritmo acelerado. Atividades até então realizadas durante o dia, agora, acontecem à noite, quando o calorão costuma dar uma trégua ¬— ou castigar menos.
Da observação de estrelas à meditação à luz de velas; da imersão em águas termais a mergulhos no mar durante a noite, o nighttime wellness é a tendência do momento, em um nicho cada vez mais poderoso.
Impulsionadas pela pandemia da Covid-19, as viagens focadas na saúde física e mental movimentam atualmente US$ 815 bilhões, por ano. Até 2031, o setor deve avançar a uma taxa de crescimento anual de 7,5%, avaliam os analistas da consultoria Cognitive Market Research.
Com um crescimento previsto de quase 7% no período, o mercado latino-americano só perde para a região Ásia-Pacífico, com 9,5% de aumento, nos próximos sete anos.
Adaptar, portanto, o turismo de bem-estar às mudanças climáticas é a certeza de ótimos negócios. E diferentes redes hoteleiras já embarcaram na onda do nighttime wellness.
A Six Senses Hotels & Spas, com sua propriedade de luxo no Vale Douro, em Portugal, foi uma das pioneiras na criação de atividades noturnas, com sessões de ioga e meditação sob o luar.
Estrelas, bioluminescência e arco-íris lunar
A Four Seasons oferece o Stargazing Experience em dois de seus resorts. A observação de estrelas em Jackson Hole, no estado americano do Wyoming, acontece no Parque Nacional Grand Teton, onde não há céu mais escuro em toda a América do Norte.
No Península Papagayo, na Costa Rica, os hóspedes caçam estrelas com um telescópio ultramoderno equipado com GPS, enquanto jantam. Outro programa é um ritual de atividades relaxantes, tendo como pano de fundo o fenômeno da bioluminescência, quando plânctons e outras criaturas aquáticas flutuam iluminadas, na superfície da água.
Nas Maldivas, o sofisticado Anantara Kihavah construiu um observatório sobre o mar.
Já na Riviera Maya mexicana, o sustentável Palmaïa, The House of AïA, da Preferred Hotels & Resorts, criou o programa Rituals of Sound, que transforma a praia em frente à propriedade em palco para atividades noturnas de bem-estar, marcadas pela batida dos tambores.
No Brasil, o Belmond Hotel das Cataratas, em Foz do Iguaçu, oferece caminhadas noturnas pelo parque e passarelas. Em época de lua cheia, é possível testemunhar o arco-íris prateado (ou lunar), quando a luz refletida pelo satélite, em vez de irradiada diretamente pelo sol, é refratada pela chuva, névoa suspensa na atmosfera ou, no aqui nesse caso, pelas gotas de água expelidas pela força das cachoeiras.
No Nordeste, a nova OIÁ Casa Lençóis, em Santo Amaro, no Maranhão, dispõe de um programa de bem-estar noturno, como um luau intimista, nas dunas dunas do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses — quem quiser pode se banhar nas lagoas do lugar.
Aos poucos, o nighttime welleness chega também aos cruzeiros. A armadora Regent Seven Seas acaba de lançar uma nova coleção de itinerários com pernoites em todos os portos de escala e um amplo menu de passeios noturnos em cada um deles.
Batizadas de Immersive Overnights, as atividades oferecidas aos hóspedes incluem desde uma serenata ao anoitecer em Zadar, na Croácia, até um tour noturno de massagens na China.
“Coolcations”
O turismo de bem-estar noturno vem se aliar a uma outra tendência, a das “coolcations”. Combinação das palavras em inglês “cool” e “vacations”, as chamadas “viagens frescas” já vinham ganhando espaço desde o final do ano passado, sobretudo entre os viajantes europeus.
Muitos deles estão trocando os destinos típicos do verão, como o Mediterrâneo, por regiões mais frias, como Antártica, Ártico, Groenlândia e Islândia.
Um levantamento da rede de agentes e consultores de viagens de luxo Virtuoso, junto a seus clientes, é revelador da mudança nos padrões de viagens: 82% dos turistas estão procurando destinos de clima mais moderado para as próximas férias.
Conforme dados da Booking.com, 42% dos usuários da plataforma têm certeza de que seus planos de descanso serão impactados pelas mudanças climáticas. Alguns dos entrevistados garantem que sairão em busca de locais mais frescos.
De fato. Em todo o mundo, nos dois hemisférios, o verão de 2023 foi o mais quente em dois mil anos de história.
Isso mesmo, palavra de cientistas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, em artigo publicado na revista científica Nature.
E, preparem-se, em 2024 e 2025, o calor deve ser ainda maior.