A esterilização de mulheres cresceu nos Estados Unidos desde o fim da Roe v.Wade, a decisão judicial que tornava nacional o direito ao aborto por vontade da mulher, segundo o estudo “Tubal Sterilization Rates by State Abortion Laws after the Dobbs Decision” (Taxas de laqueadura por lei de aborto estadual após a decisão Dobbs, em português), publicado na revista Jama nesta quarta-feira (11).
Comandada pela ginecologista Xiao Xu, pesquisadora da faculdade de medicina Columbia, em Nova York, a pesquisa usou uma base de dados de plano de saúde empresariais com 25,1 milhões de usuários e pegou a janela do início de 2021 ao fim de 2022, período que compreende a virada na decisão judicial, em junho de 2022.
“Nosso estudo sugere uma associação [entre o fim da Roe vs. Wade e o aumento de laqueaduras], mas não podemos fazer inferências causais”, diz a professora de Columbia à Folha.
O estudo levou em consideração cerca de 4,8 milhões de mulheres de 18 a 49 anos, com em média 33,8 anos, sem registro de câncer ginecológico ou falta de órgãos reprodutivos. Foram excluídas, ainda, as mulheres que fizeram o procedimento associado a gravidez ectópica.
As pesquisadoras dividiram os 36 estados analisados —14 deles foram desconsiderados por inconsistência de dados— em três categorias: aqueles em que o aborto é banido, aqueles em que o aborto é protegido por leis e aqueles em que o aborto é limitado.
A primeira categoria corresponde aos estados em que a interrupção da gravidez é totalmente ou quase totalmente banida, mesmo que o impedimento tenha sido temporariamente bloqueado. A segunda diz respeito aos estados em que a legislação reconhece explicitamente o direito ao aborto. O terceiro, dos estados em que o aborto é limitado, inclui casos como a Flórida, em que não havia reconhecimento explícito do direito ao aborto, e existia uma limitação de acesso, seja por idade gestacional ou outro motivo.
Segundo o estudo, cerca de 1,5 milhões de mulheres estavam em estados onde o aborto foi banido, outras 1,5 milhões em estados onde ele é limitado e 1,8 milhões onde o procedimento é protegido. De janeiro de 2021 a junho de 2022, antes da queda da decisão, os três grupos apresentaram estabilidade na tendência de esterilizações, mantendo taxa média de 3,6 a cada 10 mil mulheres em estados onde o aborto é banido, 2,9 onde é limitado e 1,8 onde ele é protegido.
Após o fim de Roe vs. Wade, em junho, o procedimento cresceu nos três grupos. Nos estados banidos, a taxa subiu para 3,9. Nos limitados, para 3,3, e nos protegidos, 1,9. Segundo Xiao Xu, faltam testes estatísticos para cravar que o aumento foi mais expressivo nos estados onde a legislação antiaborto é mais rigorosa.
De julho a dezembro de 2022, o aumento continuou num ritmo estável de 3% ao mês nos estados banidos, com taxa que chegou a 5 para cada 10 mil mulheres. O padrão é similar nos estados em que o procedimento é limitado. Nos estados protegidos, “não houve curva com relevância estatística”.
Desde o fim da Roe vs. Wade a legislação do aborto ficou a cargo dos estados. Alguns, como a Califórnia, incorporaram o acesso ao procedimento rapidamente. Outros, como o Texas, foram ágeis em banir.
Em novembro, Arizona, Colorado, Flórida, Maryland, Missouri, Montana, Nebraska, Nevada, Nova York e Dakota do Sul farão plebiscitos sobre o procedimento.
Além dos referendos estaduais, os direitos reprodutivos protagonizam as eleições presidenciais dos Estados Unidos neste ano. No debate desta terça-feira (11), Kamala Harris lembrou os ataques republicanos à FIV (fertilização in vitro) no Alabama e relacionou o fim da Roe vs. Wade ao governo Trump.
O candidato republicano se esquivou das indagações sobre a assinatura de uma lei federal que banisse o aborto, caso chegasse a tal ponto.
Segundo a pesquisadora Xiao Xu, as eleições tem potencial para impactar a saúde pública do país. “Mas precisamos esperar e ver os dados para medir o impacto.”
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