O ágar-ágar (também só chamado de ágar) é um ingrediente comum na comida asiática.
Misturado com água quente, é ideal para engrossar sopas, dar estrutura às sobremesas e, sobretudo, evitar que estas percam a forma com o aumento da temperatura.
Porém, longe do mundo culinário, essa substância obtida a partir de algas marinhas desempenha um papel fundamental na ciência: é a forma padrão de cultivar fungos e bactérias em laboratório.
Por obter uma estrutura semissólida, as bactérias podem crescer no topo de forma controlada.
Assim, numa placa de Petri (recipiente de vidro utilizado para estudar microrganismos em laboratório) com ágar, podem se desenvolver diferentes colônias (pequenos grupos individuais de bactérias contidos no mesmo espaço).
À primeira vista, pode parecer um detalhe técnico, mas, como explica à BBC Mundo Vanesa Ayala-Nunez, pesquisadora dos Laboratórios Federais Suíços de Ciência e Tecnologia de Materiais (Empa), “isso é uma maravilha, porque, controlando seu crescimento, você pode isolá-las”.
E este é um passo crítico tanto para estudar e compreender como funciona uma infecção, como para chegar a um diagnóstico: identificar qual bactéria está causando a doença é o primeiro passo para se encontrar um tratamento.
Como é que este ingrediente básico da cozinha asiática chegou aos laboratórios há quase 140 anos?
Foi graças a Fanny Angelina Hesse, uma mulher de quem poucos – incluindo muitos microbiólogos – ouviram falar.
Trabalho em equipe
Nascida em 1850 em Nova York, filha de pais imigrantes, Lina, como a família a chamava, casou-se com Walther Hesse, um médico alemão que conheceu na cidade americana.
Hesse investigava uma doença pulmonar desconhecida que afligia os trabalhadores das minas de urânio e que mais tarde chegou-se à conclusão de que era câncer.
O casal acabou se mudando para Berlim, onde Hesse começou a trabalhar no laboratório de Robert Koch (mais tarde conhecido como o pai da microbiologia e ganhador do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1905 por identificar o bacilo causador da tuberculose).
Embora Hesse fosse o “cientista oficial” da família, Lina e o marido trabalhavam lado a lado no laboratório.
“Além das tarefas domésticas e na educação dos três filhos, ela conhecia muito bem o trabalho científico de Walther e o ajudava como se fosse uma verdadeira assistente técnica”, escreveu o neto do casal, Wolfgang Hesse, em uma breve biografia de 1992.
Lina não era uma cientista propriamente dita, mas “ela tinha uma mente científica”, explica Corrado Nai, doutor em microbiologia com anos de experiência no uso de ágar, à BBC Mundo.
“Não poderia ser [uma cientista] pela época e pela função dela [ela era uma dona de casa alemã], mas eles formavam uma equipe de trabalho.”
“Eles trabalhavam juntos, e o marido publicava em nome dele, porque essa era a norma. Mas ela teve um papel crucial nos resultados do marido. Lina preservou seus registros e fez ilustrações científicas”, diz Nai, que atualmente está envolvida na produção de uma história em quadrinhos sobre a vida de Lina Hesse.
“Essas ilustrações mostram como um organismo cresce, sua aparência, qual é o seu formato. E isso faz parte do processo de identificação de um microrganismo”, acrescenta Ayala-Nunez.
E foi trabalhando juntos no laboratório de Koch, num dia de verão de 1881, depois de muitos experimentos fracassados, que surgiu a ideia de testar o ágar como meio de cultura.
Da cozinha ao laboratório
Para investigar a contaminação microbiana do ar, Hesse utilizou gelatina, um dos meios de cultura comuns naquela época, além de clara de ovo, soro de leite, carne, rodelas de batata e outros alimentos.
Mas, repetidas vezes, as bactérias quebraram a gelatina e o calor acabou derretendo seus experimentos.
Mantê-los resfriados não era opção: como o objetivo era estudar bactérias que poderiam causar doenças no organismo, era necessário reproduzir em laboratório a temperatura fisiológica do corpo humano.
E Lina, então, teve a ideia de experimentar o ágar, ingrediente típico da culinária tradicional de Java (ex-colônia holandesa, atual Indonésia) que ela utilizava há anos no preparo de sobremesas e outros pratos com vegetais.
Ela conhecia os segredos do ágar e da culinária indonésia em parte porque era meio holandesa e porque tinha amigos na família que imigraram da ex-colônia para os EUA. Eu sabia que, graças ao ágar, as sobremesas mantinham a sua estrutura intacta, por mais quente que estivesse.
Não se sabe exatamente se foi Hesse quem perguntou a Lina como ela fazia suas sobremesas ficarem firmes em altas temperaturas ou se foi Lina quem sugeriu substituir a gelatina por ágar.
Mas, definitivamente, “era ela quem conhecia o ágar, foi ela a responsável por essa ideia”, observa Nai.
Carta para Koch
O casal testou o ágar, descobriu seus benefícios e imediatamente relatou a notícia a Koch, que na época estava focado em suas pesquisas sobre tuberculose, a principal causa de morte nos países industrializados no século 19 e início do século 20.
Koch demonstrou em 1882 que a tuberculose era causada por uma bactéria, o que abriu caminho para o seu diagnóstico e tratamento.
E embora nesse mesmo ano tenha mencionado numa conferência o papel que o ágar desempenhou na descoberta do Mycobacterium tuberculosis, não incluiu nem o nome de Lina nem o de Walther Hesse .
“Esta foi a primeira vez em que o ágar-ágar apareceu na literatura científica”, diz Nai.
Mas o microbiólogo não acredita que ignorar Hesse fosse uma espécie de “mau comportamento científico”, mas sim que isso se devia em parte ao fato de Koch ainda não ter reconhecido a importância deste meio de cultura.
“No mesmo texto ele diz que, na sua opinião, o ágar não funciona tão bem quanto o soro sanguíneo”, diz Nai.
Foi um processo gradual até que o valor do ágar em laboratório fosse reconhecido.
Além disso, Walther não publicou nenhum estudo sobre ágar, e nem ele nem Lina tentaram patentear a sua descoberta.
“Os Hesse nunca receberam qualquer recompensa financeira pela sua ‘invenção’, nem sequer consideraram explorar o assunto comercialmente. Não teria sido apropriado”, escreve Wolfgang na biografia dos seus avós.
“Eles não buscaram reconhecimento. Eles simplesmente consideraram isso uma forma de resolver uma situação técnica que era muito importante”, diz Ayala-Nunez.
“E às vezes, no laboratório, quando algo é técnico, é muito minimizado, mas a verdade é que sem essa parte a ciência não existe “, sublinha a investigadora.
Hoje, o ágar – produto também barato e fácil de preparar – é um elemento básico em todos os laboratórios de microbiologia.
E mesmo, como demonstra a competição anual da Sociedade Americana de Microbiologia, há quem faça arte com ela.