Surge na forma de uma página na internet a mais nova iniciativa brasileira dedicada a terapias com psicodélicos: Camp, Centro Avançado Medicina Psicodélica. E nasce com a ambição de facilitar a chegada ao SUS de uma substância bem brasileira, a dimetiltriptamina da jurema-preta (Mimosa tenuiflora).
A DMT é velha conhecida do grupo do físico e neurocientista Dráulio de Araújo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que lidera o Camp. Dali saiu em 2018 o primeiro ensaio clínico duplo cego controlado por placebo a testar a DMT, no caso a da ayahuasca, para combater depressão.
Em 2021, a equipe do Instituto do Cérebro (ICe-UFRN) passou a trabalhar com inalação de DMT pura, e não misturada com outros compostos como no chá cerimonial do Santo Daime. Embora exista DMT sintética, a opção foi extraí-la da jurema-preta, árvore abundante na caatinga, usada ritualmente por povos do sertão semiárido.
A DMT da jurema foi testada num estudo de fase 2 com pessoas que têm depressão resistente, forma da doença que não melhora com os antidepressivos disponíveis. Um artigo científico foi publicado mostrando os primeiros resultados, bem positivos, e outro está por vir, sobre 14 pacientes acompanhados por três meses.
“Fizemos a fase 2 na raça, sem apoio de ninguém, só na base do esforço individual”, conta Araújo. Seu desafio agora, com o Camp, é aumentar a visibilidade de terapias psicodélicas para o público brasileiro e agregar um componente de reciprocidade aos trabalhos realizados pela comunidade que surge com a iniciativa.
São quatro os objetivos do Camp: difundir informação de qualidade; oferecer cursos de divulgação e de treinamento em terapias apoiadas por psicodélicos; preparar a introdução da DMT no SUS; e prestar serviços clínicos. Embora a sede seja Natal (RN), o centro se propõe a reunir laboratórios e colaboradores de todo o país (este blogueiro aceitou convite para participar).
Nos planos da equipe de Araújo está a DMT da jurema para um teste clínico de fase 3 contra depressão. Seriam então cem pacientes, em três estados: Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Ceará. Mas ainda é preciso conseguir a verba para o estudo multicêntrico, que pode alcançar a casa de milhões.
A DMT foi sintetizada em 1931 no Canadá. Não haveria, portanto, necessidade de utilizar como fonte do psicoativo a planta Mimosa tenuiflora cultuada por povos indígenas do sertão nordestino. Seu uso depois chegou ao litoral e deu origem ao culto do Catimbó, hoje mais conhecido como Jurema Sagrada.
“A gente prefere o mais complicado”, diz Araújo, com bom humor. Extrair a DMT da árvore da caatinga, entretanto, tem muito a ver com o objetivo de reciprocidade embutido no Camp, num modelo de repartição de benefícios que ainda está em discussão no grupo.
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Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”.
Não deixe de ver também as reportagens da série “A Ressurreição da Jurema”:
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/reporter-conta-experiencia-de-inalar-dmt-psicodelico-em-teste-contra-depressao.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/da-caatinga-ao-laboratorio-cientistas-investigam-efeito-antidepressivo-de-psicodelico.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/cultos-com-alucinogeno-da-jurema-florescem-no-nordeste.shtml
Cabe lembrar que psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem panaceia para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.
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