Mulheres trans: hormonização pode diminuir disforia – 02/04/2024 – Equilíbrio


A hormonização, também conhecida por terapia hormonal ou hormonioterapia, é um tratamento utilizado por pessoas transgênero para adequar seus corpos às suas identidades de gênero. O procedimento está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde) desde 2013 e ajuda a promover a melhora na saúde mental tanto de mulheres como de homens trans.

Andrea Hercowitz, coordenadora do Grupo Médico Assistencial (GMA) para população LGBTQIA+ do

Hospital Israelita Albert Einstein, explica que a hormonização pode reduzir “problemas de autoimagem, depressão, ansiedade, autolesão e suicídio”.

No SUS, é possível acessar a hormonização nas UBS (Unidades Básicas de Saúde), e os hormônios administrado são encontrados nas farmácias dessas unidades. “A pessoa pode procurar um serviço de saúde e dizer que é uma mulher trans e sente disforia de gênero. Uma coisa que precisa ficar muito clara é que a mulher trans não é menos mulher se não fizer a cirurgia ou a hormonização. Nada impede que ela seja uma mulher trans sem ter se hormonizado e sem ter feito cirurgia”, afirma a ginecologista.

A disforia de gênero é classificada como desconforto ou sofrimento relacionado a uma incongruência entre a identidade de gênero de um indivíduo e o sexo atribuído ao nascimento. Sem se reconhecer no próprio corpo, a pessoa pode sofrer transtornos como depressão e ansiedade.

Emmanuel Nasser, ginecologista do Centro de Referência de Saúde Integral para a População de Travestis e Transexuais (CR POP TT), explica que o atendimento inicial à população trans é realizado na UBS para “não promover segregação, dificultando ainda mais o acesso”.

Hercowitz conta que, nesse primeiro atendimento na UBS, a pessoa será encaminhada para uma triagem de exames para entender qual é a condição clínica e se ela tem alguma contraindicação para receber hormônios. “Algumas pessoas ficam mais seguras e preferem uma avaliação do profissional de saúde mental, mas não é obrigatório. É obrigatório, na legislação brasileira, para a realização de cirurgia; para hormonização, não precisa”, afirma.

Nasser conta que, nas consultas iniciais, o profissional de saúde faz um alinhamento de expectativas junto com a paciente. “As pessoas chegam com muitas disforias, desconfortos com a sua corporalidade, com as suas vivências. É preciso trazer essa pessoa para o processo para que ela entenda que as coisas não vão acontecer como mágica. Eu preciso tranquilizar essa pessoa e dizer que as coisas vão acontecer, mas vão acontecer gradualmente”, diz.

O alinhamento é importante, como afirma o ginecologista, para que os profissionais saibam qual procedimento dentro do processo transexualidor, do SUS, é o mais recomendado para a paciente. Nasser exemplifica: “Essa identidade transfeminina ou travesti tem uma disforia com a genitália? Ter ereções involuntárias pioram esse sofrimento físico ou psíquico? Qual a dose do bloqueador de testosterona eu vou precisar fazer para que esse gatilho de sofrimento desapareça? Essa genitália causa um sofrimento tão grande para além dessa ereção, comprometendo a higiene local? Então eu vou precisar associar outros atores dessa equipe multiprofissional, para que a gente contorne isso. Às vezes, esse sofrimento só desaparece por completo com cirurgias de transformação corporal.”

O ginecologista explica que, geralmente, a principal demanda da população trans é o acesso aos hormônios. Segundo Nasser, o que acontece na hormonização é uma indução de puberdade. “Nós não passamos pela puberdade em dois dias ou uma semana. As transformações começam a partir de seis meses do uso das terapias hormonais”, afirma.

Hercowitz relata que, atualmente, existem dois tipos de hormonizações: para pessoas a partir de 16 anos e que ainda não passaram pela puberdade; e para pessoas que já passaram. “Existem hoje pessoas que estão, já desde a adolescência, com bloqueio hormonal. Quando a pessoa está bloqueada, mantemos o bloqueio e começamos a dar doses pequenas de hormônio, como uma indução da puberdade”, observa. Adolescentes a partir de 16 anos podem iniciar a hormonização com a autorização dos pais ou responsáveis.

Nasser conta que, na hormonização de mulheres trans, pode ser usado o valerato de estradiol associado a bloqueadores, como a espironolactona e o acetato de ciproterona.

A diferença da hormonização em pessoas que não foram bloqueadas ainda na adolescência, segundo Hercowitz, é que o processo já é iniciado com a dose total do hormônio. A ginecologista alerta que, alguns hormônios, normalmente utilizados na auto-hormonização, podem ter efeitos colaterais indesejados, como trombose, e reitera que o mais seguro é o valerato de estradiol.

Os hormônios têm outros efeitos colaterais, mas Nasser explica que “esses efeitos colaterais são esperados pela pessoa. Por exemplo, se eu utilizo um bloqueador de testosterona, há um bloqueio do crescimento dos pelos corporais e faciais, então a pessoa deixa de desenvolver barba. Há uma atrofia da região genital, o que faz com que as pessoas consigam aquendar e usar legging para ir na academia. Elas procuram essa tecnologia justamente para ter esses efeitos colaterais”.

Na saúde mental, Hercowitz afirma que há redução de problemas de autoimagem, depressão, ansiedade, autolesão e suicídio. “O impacto do bloqueio e da hormonização são muito positivos.”

A ginecologista lembra que alguns efeitos da hormonização, como a diminuição das ereções e da ejaculação, não são reversíveis. “A diminuição de ejaculação pode causar infertilidade. Quando a pessoa tem planos de ter filhos e, se for viável, pedimos para a pessoa congelar o espermatozóide”, afirma.

Hercowitz observa que algumas pessoas costumam associar hormônios com cânceres, mas “não existe um risco aumentado de câncer de mama para mulheres trans que se hormonizaram em comparação com mulheres cis. Vai ter, talvez, um risco maior se for comparar com um homem cis”, explica. “Depois de cinco anos que essa pessoa está hormonizada, é necessário fazer os exames de câncer de mama.”

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Fonte: Folha de São Paulo

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