Já ouviu falar em Mandaguari? A pequena cidade, com pouco mais de 30 mil habitantes, do interior do Paraná, resolveu inovar mais uma vez. A região já era conhecida por ter sido o primeiro município do sul do país a aprovar a distribuição da Cannabis medicinal pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Na noite de segunda-feira, 18, a Câmara Municipal votou por unanimidade a Lei 84/2024, que instituiu a carteirinha a pacientes em tratamento, de autoria do vereador Chiquinho (PP/PR), um dos grandes incentivadores da democratização e do uso seguro do medicamento. “O canabidiol (CBD) dá qualidade de vida para o paciente, que precisa estar amparado juridicamente”, diz Chiquinho.
Ao contrário do ambiente cheio de polêmica comum às discussões envolvendo Cannabis no Brasil, em Mandaguari, a história é outra. Ali, o medicamento à base da planta é aceito como uma substância que ajuda na melhora da qualidade de vida de muitos pacientes, sem tantos preconceitos, com o alívio de sintomas importantes. “Foi uma votação única, com dispensa no prazo para a discussão”, diz o advogado Murilo Nicolau, que acompanhou a plenária. Em geral, um PL é votado em três sessões.
A ideia da carteirinha veio com a lei nacional que, em 2023, transformou o cordão decorado com girassol em um símbolo para identificar pessoas portadoras de doenças invisíveis. Tornar o invisível visível foi a forma de fomentar a empatia, o respeito e conscientizar em relação às diferenças. A carteirinha tem a mesma função. “Um motorista de caminhão que estiver usando o medicamento não terá problema no exame toxicológico uma vez que apresente sua carteirinha, por exemplo”, diz o vereador. Ela facilita o uso e o transporte da Cannabis medicinal. “É uma lei complementar, muito importante.” Não é raro, pacientes serem levados à delegacia passarem pelo constrangimento de explicar (e provar) que não se trata de porte de uma substância ilícita, mas de medicamento. Isso acontece principalmente para os que se tratam com a Cannabis vaporizada ou fumada.
A força das mães
Em Mandaguari, foram as mães de filhos autistas que abriram caminho para a democratização do tratamento. Em 2018, elas começaram a se reunir para trocar experiências, uma espécie de auto-ajuda, para que pudessem contribuir mais com o tratamento das crianças. “O grupo virou Associação de Familiares Autistas de Mandaguari”, conta a integrante Josiana Pires, de 45 anos, mãe de Heloísa, de 9 anos, diagnosticada com autismo, aos dois anos. “O extrato de Cannabis é fundamental no tratamento”. Antes de tomar as gotinhas de CBD, a menina tinha um comportamento repetitivo de bater a mão na parede e rosnar durante horas. Parava quando não aguentava mais de exaustão. “O CBD diminuiu em 90% esses episódios”, conta Josiana.
Testemunho como o dela contribuiu muito nas audiências públicas sobre a terapia canábica. Tanto que a lei 3789/2023, de distribuição gratuita, leva o nome de Pedro Henrique, garoto que se tratava com CBD, cuja mãe fazia vaquinhas virtuais para comprar o óleo importado. “Eu conheci a Cannabis medicinal por causa desse caso”, conta Chiquinho. “A cidade acompanhava a luta da mãe desse menino, que sofria de paralisia cerebral que, por uma fatalidade, morreu afogado.” Diferentemente de São Paulo, no município paranense, o CBD gratuito foi aprovado para epilepsia e autismo. Apesar do SUS fornecer o medicamento para o tratamento de apenas duas doenças, os derivados da Cannabis são usados no alívio de dores crônicas, estresse, ansiedade e insônia. E é testado para outros fins, como no tratamento de enxaqueca.
Plantio e produção são os próximos passos
A cidade está se preparando para plantar e fabricar o óleo que será distribuído para os pacientes, que deve se viabilizar com uma parceria entre a Prefeitura e a universidade. Os projetos estão inspirando outras cidades vizinhas. Jandaia do Sul, Apucarana e Faxinal já aprovaram a distribuição pelo SUS e Londrina está no caminho. Chiquinho tem recebido telefonemas até de municípios da Bahia, que querem saber mais sobre o assunto. “Mandaguari, por ser pequeno, influencia e chama atenção no estado e em território nacional”, diz Nicolau. “Ela mostra que com o apoio do poder público e a possível parceria entre a prefeitura e a universidade pode ser uma grande economia, uma vez que para atender 50 famílias, a cidade desembolsa anualmente R$ 1 milhão.”
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.