Há pouco, a Associação Médica Brasileira (AMB) veio a público esclarecer que não existe tal coisa como a hormonologia. Lembrou que as áreas da medicina aptas a investigar e tratar distúrbios hormonais são a endocrinologia e a metabologia. E as dedicadas a cuidar da saúde do homem e da mulher são a ginecologia e urologia. Não há notícias de sociedades médicas e científicas sérias que não tenham apoiado a manifestação. Mas qual o propósito da hormonologia e a quem ela serve?
Segundo os que lutam pela sua razão de existir —poderíamos chamá-los de hormonólogos, já que hormologistas não o são?—, a hormonologia é a área interdisciplinar dedicada ao estudo aprofundado dos hormônios. A emancipação desse campo se assentaria num crescente interesse pelo tema, supostamente não acompanhado pelas disciplinas que, tradicionalmente, dele se ocupam. Cumpriria, portanto, à nova área o papel de investigar o assunto e fornecer o conhecimento técnico-profissional especializado.
Bem, a história da ciência é pródiga em exemplos de áreas do conhecimento que nasceram como temas restritos de investigação e, graças a um notório desenvolvimento científico subsequente, alcançaram até mesmo status de disciplinas autônomas. É o caminho percorrido, por exemplo, pela biologia evolutiva, ecologia e química quântica, e o que hoje percorrem nanotecnologia, bioinformática e inteligência artificial. Ao que me consta, contudo, não há uma revolução científica em curso que tenha saturado a capacidade investigativa e crítica de disciplinas consagradas no estudo do hormônio a ponto de justificar a inauguração de um novo campo do saber para reorientar a prática de cientistas e profissionais.
Os interesses dos hormonólogos, portanto, não se vinculam ao avanço científico da área ou à necessidade de aperfeiçoamento da educação médica. O que os move é o mercado ascendente do uso indiscriminado de anabolizantes. Nele se servem os gurus da hormonologia, que faturaram alto com a venda de livros, congressos, cursos, tutorias, mentorias etc dedicados a ensinar a arte da prescrição charlatã de hormônios a profissionais providos de capacidade ética e crítica duvidosa.
Em colapso racional (e criativo), hormonólogos, por sua vez, protestam contra uma suposta tentativa de censura ao estudo do hormônio. A rigor, não há problema em a hormonologia estudar hormônios. Ou a astrologia estudar os astros. Ou a ufologia estudar os ETs. O que torna todas essas atividades meras pseudociências não é o ato legítimo de buscar o saber sobre um tal objeto, mas a falta de uma metodologia sistemática, cuidadosa e aceita pela comunidade científica para esse fim.
Nem todas as pseudociências são iguais. Algumas almejam a promoção de uma teoria particular, enquanto outras são movidas pelo desejo de combater ramos estabelecidos da ciência. A astrologia e a homeopatia são exemplos de pseudoteorias do primeiro tipo, que nutrem um desejo indisfarçável de serem reconhecidas como ciência, embora falhem nisso categoricamente. Já a negação do holocausto, das mudanças climáticas e das doenças causadas pelo tabagismo, assim como o movimento antivacina, arranjam-se no segundo grupo, que se define pelo negacionismo científico.
A negação da ciência tem como método a criação de falsas controvérsias. É uma tática tão antiga quanto exitosa em semear dúvidas sobre fumo ativo e passivo, armamento nuclear, chuva ácida, efeito estufa, aquecimento global etc, de maneira a postergar ou evitar medidas regulatórias que impactariam a qualidade de vida. A hormonologia opera por esse mesmo mecanismo de desinformação. Seu discurso cínico relativiza os riscos do uso abusivo de esteroides anabolizantes ao jurar a existência de um corpo de condutas terapêuticas oculto às especialidades médicas tradicionais, mas compreendido e comercializado pela… Hormonologia. Só faltou combinar com a ciência, a qual, consensualmente, inadmite qualquer forma segura de uso continuado dessas drogas por pessoas saudáveis.
É na tentativa de desmascarar esse embuste que sociedades médicas e científicas, vocalizadas pela AMB, emparedam a hormonologia. Nua, resta-lhe, assumir-se como bombologia, sua essência eminentemente negacionista.
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