A iniciativa do Senado Federal de inserir na Constituição Federal o crime de possuir e portar drogas, independentemente da quantidade, revela o desconhecimento brutal de recomendações internacionais sobre o tema, da realidade carcerária brasileira e das evidências científicas recentes. Ou, alternativamente, o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 45, que deverá ser votada pelo Senado nesta terça-feira (16), deseja entregar exatamente o que se propõe, mais encarceramento de jovens, pretos, pobres, periféricos, com baixa escolaridade, eternizando os resultados já conhecidos da guerra às populações vulnerabilizadas, mas travestido de uma guerra supostamente contra as drogas.
A Organização das Nações Unidas (ONU) e suas agências têm indicado que a criminalização das pessoas que usam drogas devem ser evitadas, e, alternativas sejam aplicadas em benefício da garantia de direitos humanos e do direito à saúde. Em posição comum adotada em 2019, o Conselho de Diretoras/es Executivas/os do Sistema das Nações Unidas aprovou o seguinte texto como ação eficaz para política de drogas: “promover alternativas à condenação e punição em casos apropriados, incluindo a descriminalização da posse de drogas para uso pessoal”. No ano passado, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos lançou relatório sobre o tema onde recomenda aos países: “afastar os modelos punitivos é fundamental para abordar todos os desafios relacionados aos direitos humanos que surgem”. Ou seja, o Senado brasileiro está colocando as políticas de drogas do Brasil na contramão das recomendações de organismos internacionais.
Estas abordagens também são validadas regionalmente por meio do Plano de Ação Hemisférico sobre Drogas 2021-2025, aprovado pela Comissão Interamericana de Controle do Abuso de Drogas (CICAD), vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA), que tem como um dos seus objetivos “formular, adotar e implementar alternativas ao encarceramento para crimes menores ou não violentos relacionados a drogas”.
Já sabemos, por meio de pesquisas publicadas em 2023 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) entre outras, que a criminalização envia para o sistema prisional, de forma progressiva, sistemática e cotidiana, o grupo que já citamos: jovens, pretos, pobres, periféricos, com baixa escolaridade. E isto tem sido feito desta maneira desde a promulgação da Lei 11.343/2006, que embora tenha avançado no que diz respeito às diretrizes de saúde a serem adotadas para usuários de drogas, não definiu concretamente quem é traficante, quem é usuário. A PEC repete este equívoco e, se aprovada, contribuirá para um resultado ainda pior no futuro.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em conjunto com outras agências da ONU (UNAIDS, PNUD e ACNUDH) e a Universidade de Essex, recomendam, em documento recente, que para garantir o direito ao mais alto padrão de saúde possível, é necessário “descriminalizar a posse, compra ou cultivo de substâncias controladas para consumo pessoal”. Além disso, chama a atenção dos países para que, no âmbito estrito da saúde, viabilizem a “disponibilidade e acessibilidade dos serviços de tratamento para a dependência de drogas e de redução de danos”.
A criminalização afasta as pessoas que usam drogas dos serviços de saúde. Esta consequência direta da criminalização precisa ser tomada em séria consideração, em conjunto com a tendência crescente de superencarceramento. Os serviços que compõem a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) oferecida pelo SUS para pessoas que usam drogas estão em processo de reconstrução depois de um período de desfinanciamento e sucateamento proposital durante os governos Temer e Bolsonaro. As deliberações da V Conferência Nacional de Saúde Mental realizada em 2023 apontam para a necessidade urgente de ampliação do financiamento. Desta forma, entendemos que a criminalização faz mal à saúde em diversos aspectos, pois vulnerabiliza a condição de saúde das pessoas que usam drogas ao jogá-las em presídios, ao mesmo tempo em que drena recursos financeiros preciosos para a construção de novos presídios, em vez de destiná-los ao SUS e à RAPS para ampliar o acesso ao tratamento.
A Plataforma Brasileira de Política de Drogas, em conjunto com várias entidades da sociedade civil, lançou uma campanha contra a PEC 45, cujo tema central é o usuário não é criminoso. Junte-se a nós para pressionar as senadoras e senadores e ajude a evitar que o legislativo Brasileiro cometa mais esse “costume” racista de nosso país.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora ou autor não necessariamente expressa a opinião do Instituo de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).
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Chico Cordeiro é assessor de relações institucionais da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD); Helena Fonseca Rodrigues é assessora estratégica da PBPD; Luana Malheiro é coordenadora de articulação da PBPD; Nathália Oliveira é e responsável pela área de Governança e Gestão da PBPD; Renato Filev é coordenador científico da PBPD; e Tatiana Diniz é coordenadora de comunicação da PBPD.
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