Agitação, depressão, apatia e distúrbios do sono, esses são alguns dos transtornos frequentes entre os pacientes de Alzheimer. Segundo um novo estudo americano, é o próprio mecanismo por trás do declínio cognitivo que pode levar a uma deterioração da saúde mental. A novidade é que os pesquisadores acreditam que mirar nesses sintomas pode retardar o avanço da demência.
A pesquisa foi conduzida por especialistas da Universidade de Boston. Segundo eles, os transtornos mentais podem surgir até mesmo antes dos primeiros sintomas da neurodegeneração. Os resultados foram publicados na revista científica Journal of Alzheimer’s Disease.
Para confirmar a hipótese, os pesquisadores usaram as informações de quase 800 pacientes de Alzheimer reunidos na base de dados do Centro Nacional de Coordenação de Alzheimer, que inclui resultados de exames laboratoriais para marcadores da doença, testes de memória e avaliação da saúde mental feita pelos cuidadores ou familiares dos pacientes.
A partir de cálculos estatísticos, os cientistas notaram que o surgimento de transtornos mentais era apenas parcialmente explicado pelas consequências da perda de memória e outros déficits cognitivos. Segundo os resultados, os problemas como depressão e agitação só podem ser totalmente explicados se tomarmos em conta as alterações subjacentes causadas pela demência no cérebro.
Outra conclusão que a pesquisa corrobora é que, em pacientes de Alzheimer, é muito mais provável que os transtornos de saúde mental sejam decorrentes do processo de neurodegeneração do que de outros aspectos da vida do paciente, embora isso não elimine totalmente a relevância destas. Por isso, os pesquisadores concluem que é necessário adotar uma abordagem holística ao tratamento.
Segundo Tânia Alves, psiquiatra e psicogeriatra do hospital universitário da USP (Universidade de São Paulo), o transtorno psicológico entre pacientes de Alzheimer é caracterizado sobretudo pela apatia, total desinteresse aos diferentes estímulos da vida. Esse sintoma difere da depressão, na medida em que esta é marcada pelo incômodo com a falta de prazer, a tristeza e a angústia. Essa diferença é relevante sobretudo na escolha do tratamento, sendo os antidepressivos somente indicados para o segundo quadro.
Outro problema enfrentado por esses pacientes são os distúrbios do sono, como apneia, insônia ou inversões do ciclo do sono, que acompanham o avançar da doença. O tratamento desses sintomas passa não só por intervenção medicamentosa, mas também por mudanças na rotina tanto do idoso quanto dos cuidadores. É preciso incluir estímulos cognitivos e sociais adequados ao longo do dia e atentar para as questões de higiene do sono.
Outra pesquisa, publicada na Jama (Journal of American Medical Association), corrobora a informação. No trabalho, pesquisadores concluem que tanto o surgimento de sintomas depressivos está associado com a perda de memória quanto o contrário, isto é, a perda de memória resulta da piora da saúde mental.
Para chegar a esta conclusão, mais de 8.000 ingleses com mais de 50 anos receberam acompanhamento a cada dois anos, entre 2002 e 2019. Durante as sessões de acompanhamento, eles passaram por testes de memória, forneceram informações sobre a saúde mental e preencheram questionários socioeconômicos.
Neste ano também foram publicados os resultados de um estudo realizado durante 21 anos com quase 1.000 mulheres idosas, que revela que enquanto 9% das participantes relatam o surgimento de sintomas depressivos durante a idade adulta, esse número sobe para 25% em fases da vida mais avançadas. Dentre as que sofrem com transtorno psicológico, a pesquisa mostra que o risco de desenvolver demências é maior.
Publicados na revista Alzheimer’s and Dementia, os pesquisadores também notaram a mesma correlação bidirecional entre perda das funções cognitivas e deterioração da saúde mental, sobretudo a partir da idade adulta mais avançada, isto é, no início da velhice.
Entre mulheres, Adriana Melibeu, pesquisadora e professora da Universidade Federal Fluminense, ressalta que existe uma influência das alterações hormonais da menopausa com os quadros depressivos. Essa ocorrência de sintomas de depressão no fim da fase adulta e início da terceira idade podem favorecer a neurodegeneração.
Os transtornos psiquiátricos, entretanto, são fatores de risco modificáveis, e o tratamento dessas doenças, inclusive lançando mão de medicamentos de forma adequada, reduz as chances de desenvolver demências. Melibeu destaca que, no caso de pacientes que já possuem Alzheimer, uma abordagem holística do quadro clínico também é capaz de retardar o declínio cognitivo.
Alimentação equilibrada, prática de atividades físicas e estímulos mentais são essenciais na rotina de um paciente de doenças neurodegenerativas. Outro aspecto às vezes negligenciado, mas de grande relevância, é a necessidade de socialização desses idosos. “O ser humano é um ser ultrassocial, a gente depende muito dos outros. O enriquecimento ambiental vem com lazer, cultura, arte. Uma pessoa que está mais integrada socialmente tem menos chance de desenvolvimento da doença”, afirma Melibeu.