Se o Projeto de Lei 1904 for aprovado, meninas abaixo dos 18 anos vítimas de estupro que fizerem aborto depois das 22 semanas ou quando houver viabilidade fetal poderão acabar internadas em um estabelecimento educacional por até 3 anos.
O projeto, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), quer colocar um teto de 22 semanas na interrupção da gestação em casos de estupro e abre brecha para que a pena respingue em casos de risco à vida da mãe e anencefalia fetal, aumentando a pena para quem realizar o procedimento após o período.
A punição, com o PL, fica equiparável àquela prevista em caso de homicídio simples, ou seja de 6 a 20 anos de prisão. Já a pena prevista para estupro no Brasil é de 6 a 10 anos. Quando há lesão corporal, de 8 a 12 anos. Somente em caso de morte da vítima a pena pela violência pode ser maior. O Código Penal prevê reclusão de 12 a 30 anos.
Para a criminalista Maíra Salomi, a punição para as meninas que têm entre 12 e 18 anos incompletos seria diferente da prevista para maiores de idade.
“Elas estão sujeitas ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que prevê rito próprio para apuração e punição dos chamados atos infracionais”, diz a advogada.
“As adolescentes responderiam a um processo pelas mesmas infrações previstas no Código Penal e poderiam ser condenadas às medidas previstas no Estatuto, quais sejam, advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços, regime de semiliberdade, liberdade assistida ou até mesmo a internação em estabelecimento educacional.”
Em caso de internação, o limite máximo de cumprimento é de 3 anos, com liberação compulsória aos 21 anos de idade.
O mérito do PL segue para votação na Câmara e ainda precisa ser aprovado no Senado, além de ser sancionado pelo presidente Lula (PT).
A proposição irá alterar os artigos 124, 125 e 126 do Código Penal e limitar o excludente de punibilidade para médicos que realizam o procedimento previsto no artigo 128. A mudança de pena só valeria para atos praticados a partir da aprovação, sem efeito retroativo.
No Brasil, a interrupção da gravidez é permitida quando há risco de vida para a mulher e quando a gestação resulta de um estupro, de acordo com o Código Penal, além dos casos em que há anencefalia do feto, por entendimento do STF. Para todos os casos, não há limite de tempo gestacional.
Sóstenes Cavalcante afirmou, em entrevista à Globonews, que meninas teriam que cumprir pena socioeducativa caso seu PL seja aprovado.
Segundo a advogada e assessora sênior de políticas do Ipas Beatriz Galli, o ECA prevê que o menor de 18 anos é inimputável, mas capaz de cometer uma infração, de modo que está passível de aplicação de medidas socioeducativas, como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços a comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional.
“A criança (pessoa até 12 anos incompletos), se praticar algum ato infracional, será encaminhada ao Conselho Tutelar e estará sujeita às medidas de proteção. O adolescente (entre 12 de 18 anos), ao praticar ato infracional, estará sujeito a processo contraditório, com ampla defesa”, diz.
Ela afirma que fica a critério de cada juiz a aplicação de penas. “Assim como o juiz pode reclassificar para outro crime de menor potencial ofensivo também pode entender que se trata de um crime mais grave e colocar a maior pena.”
Os pais dos menores também poderiam responder, segundo a advogada. “O juiz pode, sim, entender que eles foram coniventes, que deram consentimento em caso de menor, que levaram a criança ou adolescente ao local.”
Para Galli, “é um absurdo criminalizar crianças e adolescentes vítimas de violência sexual”. “Ao invés de priorizar o acesso à saúde, o PL vai empurrar as meninas e adolescentes para a prática insegura com riscos para suas vidas.”
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