Ao contrário do que muitos tentam fazer crer, as inovações tecnológicas não repercutem automaticamente em sociedades mais prósperas, igualitárias e inclusivas. Tudo depende do modo como escolhemos usá-las.
Esse é o foco de Poder e Progresso – Uma luta de mil anos entre a tecnologia e a prosperidade, de Daron Acemoglu e Simon Johnson, professores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
A ser lançado na próxima semana no Brasil, pela editora Objetiva, o livro vai na contramão da narrativa das grandes companhias de tecnologia, interessadas em estabelecer um padrão de negócios, sem regras, em nome de uma ideia equivocada de liberdade.
As investidas recentes do bilionário Elon Musk contra o Supremo Tribunal Federal do Brasil ilustram à perfeição a tese dos autores.
Para Acemoglu e Johnson, pelo menos até agora, as conquistas tecnológicas serviram apenas aos interesses de uma pequena elite, dona dos meios de produção e do poder. As big techs, em especial, tentam vender a ideia de que o que é bom para elas é naturalmente bom para todo mundo — a humanidade e o planeta.
Best-seller do jornal americano The New York Times, Poder e Progresso mostra como essas empresas, no fundo, querem seguir, livremente, com sua “destruição criativa”, para usar a expressão do austríaco Joseph Schumpeter (1883-1950), um dos economistas mais importantes da primeira metade do século 20 e um dos primeiros a considerar as conquistas tecnológicas o motor do desenvolvimento capitalista.
A qualquer sinal de que um governo pode vir a lhes impor algum controle, as corporações imediatamente classificam a fiscalização como obstáculo ao o que elas classificam como “progresso”. Pela lógica dominante, como a tecnologia que impulsiona a história, tudo o que venha a obstruir seu desenvolvimento deve ser combatido. Até as democracias.
Os autores acreditam que o Estado pode e deve usar os instrumentos necessários para selecionar o que ofertado à sociedade pelas big techs. Que se faça, pelo menos, um controle mínimo em nome da preservação de suas instituições.
Para chegar a essa discussão, Acemoglu e Johnson analisam os avanços tecnológicos, sob a perspectiva de mil anos de história. Na obra, eles mostram como a riqueza obtida pelo aprimoramento da agricultura na Idade Média, por exemplo, só beneficiou a nobreza, enquanto os camponeses (90% da população na época), viviam na miséria.
Ou como, no primeiro século da Revolução Industrial, na Inglaterra, enquanto os empresários acumulavam riqueza, os operários tinham de enfrentar jornadas duríssimas de trabalho — 16 horas por dia, sete dias por semana, por um salário ínfimo.
Segundo os professores do MIT, essas distorções seguem até hoje. A evolução das tecnologias, como a inteligência artificial, ameaça os empregos e a democracia por meio da automação indiscriminada, da coleta maciça de dados e da invasão de privacidade.
“Escrevemos este livro para mostrar que o progresso nunca é automático”, dizem Acemoglu e Johnson.
Usar as inovações tecnológicas a favor da prosperidade de toda a sociedade requer esforços.
“A maioria das pessoas em todo o mundo hoje são melhores do que nossos antepassados porque os cidadãos e os trabalhadores das sociedades industriais anteriores se organizaram, desafiaram as escolhas dominadas pela elite sobre a tecnologia e as condições de trabalho e forçaram formas de partilhar os ganhos das melhorias técnicas de forma mais equitativa”.
Para tanto, é preciso haver espaço para contra-argumentos e organizações capazes de desafiar o pensamento convencional. Não é fácil, os autores reconhecem.
“Confrontar a visão prevalecente e arrancar o leme da tecnologia das mãos de uma reduzida elite talvez seja ainda mais difícil hoje do que na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos do século 19. Mas não é menos essencial”, defendem.
Como os professores do MIT argumentam, as inovações tecnológicas tendem sempre a aumentar a desigualdade, a menos que líderes sábios tomem as medidas necessárias para evitar que as sociedades mergulhem no abismo social e econômico. De modo a que os lucros da próxima onda tecnológica sejam partilhados equanimemente, as democracias devem começar a agir já.
Em primeiro lugar, é preciso derrubar o mito de que avanço tecnológico é sinônimo automático de progresso. Outra providência é incluir na discussão organizações da sociedade civil, ativistas e sindicatos e promover grupos de reflexão sobre como a tecnologia digital pode ser aproveitada para o florescimento humano — e não somente para o lucro privado.
Por fim, deve-se defender propostas políticas progressistas e tecnicamente bem informadas. Para Acemoglu e Johnson, o momento é de urgência. Ou se buscam tais medidas ou as democracias liberais podem sucumbir à próxima era de evolução tecnológica e à aceleração catastrófica da desigualdade.
Os erros do passado devem usados na construção de um futuro mais justo. Como bem definiu o filósofo americano Michael J. Sandel, autor de A Tirania do Mérito, de 2020, Poder e Progresso mostra “como podemos guiar a tecnologia na promoção do bem comum. Leitura obrigatória para qualquer pessoa que se preocupe com o destino da democracia na era digital”.