Poligamia é legal em mais de 30 países, mas só para homens – 29/06/2024 – Equilíbrio


Em uma casa pequena em Kano, no norte da Nigéria, o artesão Ubah Musa Kasim, 37, vive com três esposas e 18 filhos. “Normas culturais e crenças pessoais” guiaram sua decisão. “Na nossa comunidade, a poligamia é mais que aceita: é encorajada”, diz. Ele conheceu cada uma das esposas em diferentes circunstâncias. “A primeira foi meu primeiro amor. A segunda foi por meio de um casamento arranjado pelos nossos pais. E a terceira também foi puramente por amor”, diz o artesão.

Na região, a prática é comum de jovens a idosos. Embora não haja uma lei nacional que legalize a poligamia na Nigéria, a prática é reconhecida em 12 estados do norte do país, de maioria muçulmana e que seguem a sharia, a lei tradicional islâmica.

No mundo todo, mais de 30 países têm a poligamia legalizada. E, em mais de 40, a prática é aceita pela população ou vista como legal para um grupo específico de pessoas, de acordo com levantamentos feitos pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e pelo instituto de pesquisa norte-americano Pew Research Center.

Um relatório publicado pelo instituto em 2020, com análise de censos e pesquisas de 130 países, mostra que a poligamia, em geral, é rara e, mesmo nos lugares em que é legalizada, é uma prática minoritária, exceto em países da África subsaariana e alguns do Golfo Pérsico.

Além disso, as permissões variam entre países. Em alguns, como Gana e Guiné, apesar de ser proibida por lei, a prática é aceita na sociedade, segundo a OCDE. Em outros, embora não faça parte do código civil, ela é aceita por leis consuetudinárias (costumes de uma sociedade tomados como lei mesmo sem aprovação de um processo legislativo) ou práticas religiosas, como na Índia e na Nigéria.

E, mesmo nos países em que a poligamia é legal, pode haver regras para regulá-la. É o caso de Burkina Fasso, onde as esposas precisam concordar legalmente com o segundo casamento do marido, e do Djibouti, onde um juiz decide se aprova ou não o segundo casamento baseado no depoimento das primeiras esposas e na investigação das condições socioeconômicas do marido, diz o Pew Research Center.

Esse arranjo familiar também está muito ligado à religião, já que as nações de maioria muçulmana são também as que aprovam a união. Mas ele não é uma exclusividade dos muçulmanos. Segundo o levantamento, em algumas nações, ele também é praticado por pessoas de religiões populares, cristãos, grupos dissidentes de mórmons e entre não religiosos, embora em menor escala.

Apesar de estar presente em vários países de maioria muçulmana, a poligamia é mais comum na África Ocidental e Central, classificada como “cinturão poligâmico” ou “poligínico”, já que o costume é que um homem tenha várias mulheres, mas não o contrário. A média de pessoas em casamentos poligâmicos na região é de 11% da população, e as maiores concentrações estão em Burkina Fasso (36%), Mali (34%) e Nigéria (28%), segundo o instituto.

A poligamia é uma questão cultural e histórica “complicada” e as razões para a sua concentração nesta região são “numerosas e interligadas”, diz a pesquisadora Stephanie Kramer, responsável pelo levantamento do Pew Research Center. Ela afirma que locais com altas taxas de poligamia tendem a ser os mesmos onde as pessoas, e especialmente os homens, vivem menos.

“Historiadores observam que a orientação islâmica sobre a poligamia foi emitida durante as guerras na Arábia e criou um sistema no qual um grande número de viúvas e órfãos poderia ser cuidado. Em locais onde os homens morrem jovens, as condições são difíceis, as mulheres normalmente não fazem parte do mercado de trabalho e as redes de segurança seculares são escassas, a poligamia ainda pode ser vista como uma boa solução para garantir que as mulheres e as crianças tenham apoio”, diz Kramer.



Em locais onde os homens morrem jovens, as condições são difíceis, as mulheres normalmente não fazem parte do mercado de trabalho e as redes de segurança seculares são escassas, a poligamia ainda pode ser vista como uma boa solução para garantir que as mulheres e as crianças tenham apoio

Na casa de Ubah, cada uma das mulheres tem um “papel”, ele diz: a primeira cozinha, a segunda cuida das finanças e mantém a organização da casa e a terceira se concentra no cuidado e educação das crianças. Um dos maiores desafios da família é o sustento das 22 pessoas que a compõem. “Nós produzimos nossa comida em terras aqui perto. Às vezes a situação é crítica, por isso investi em negócios de artesanato.”

O único julgamento que recebem, diz o artesão, é de pessoas de fora da comunidade e da religião. “A recriminação existe, às vezes, mas priorizo meus relacionamentos e a felicidade dos meus filhos”, ele diz. A reportagem tentou conversar e fotografar as esposas, mas por costumes locais, a família preferiu que apenas Ubah falasse e aparecesse nas fotos.

Na Europa, assim como na maioria dos países ocidentais, a prática é ilegal. Os estados consideram que ela viola a dignidade das mulheres, já que não há igualdade de tratamento no direito à poligamia, e as Nações Unidas recomendam que os países membros a proíbam.

A diferença de poder na relação foi observada por Anika Liversage, pesquisadora de imigração, gênero e identidade no Centro Dinamarquês de Pesquisa em Ciências Sociais, Vive, e Katharine Charsley, professora de estudos de migração na Universidade de Bristol. Elas se depararam com o assunto quando entrevistaram homens e mulheres de minorias étnicas sobre casamento e divórcio.

De acordo com Liversage, o fenômeno parece incomum entre eles. Além disso, muitas mulheres que fazem parte desse tipo de relação geralmente não estão satisfeitas ou não concordam com a situação. Embora algumas decidam pelo divórcio, muitas não estão “em posição de se opor porque são a parte mais fraca”, diz.

Quando pessoas poligâmicas decidem migrar para o continente, elas enfrentam questões legais e sociais, além de problemas jurídicos relacionados ao duplo casamento, sendo o visto o maior deles. Quando uma família pede visto, residência ou mesmo asilo em um país europeu, o marido só pode trazer uma de suas esposas, já que apenas um casamento é legalmente reconhecido. A outra (ou outras) permanece em seu país de origem.

Um problema relacionado a isso é a “poligamia relacionada à migração”, diz Liversage. Em alguns casos, homens mantêm dois casamentos em diferentes continentes sem que as esposas saibam uma da outra. Foi o que relataram Dilek, imigrante turca na Dinamarca, e Sumera, nascida no Reino Unido e com ascendência paquistanesa, em entrevista às pesquisadoras.

Segundo o Pew Research Center, é difícil fazer uma comparação temporal exata porque a sistematização de dados sobre o assunto é recente, mas há evidências de que a prática tenha diminuído nos últimos cem anos, principalmente em áreas que tiveram “muita atividade missionária cristã”, já que os missionários “frequentemente priorizam a poligamia como alvo de reforma”, diz Kramer.

“De um modo geral, a poligamia já não é incentivada pelos líderes das principais religiões, embora seja praticada por alguns muçulmanos, seitas mórmons fundamentalistas e cristãos na África. Os apoiadores muçulmanos da poligamia citam frequentemente o versículo 4:3 do Alcorão, que permite a um homem casar com até quatro mulheres, mas encoraja-o a ser monogâmico se não puder ser justo com todas elas”, diz.

Lista de países em que a poligamia é legalizada ou aceita socialmente

  1. Afeganistão

  2. Argélia

  3. Arábia Saudita

  4. Bahrein

  5. Bangladesh

  6. Benin

  7. Brunei

  8. Burkina Fasso

  9. Butão

  10. Camarões

  11. Chade

  12. Costa do Marfim

  13. Djibouti

  14. Egito

  15. Emirados Árabes Unidos

  16. Gâmbia

  17. Gana

  18. Guiné

  19. Guiné-Bissau

  20. Índia

  21. Indonésia

  22. Irã

  23. Iraque

  24. Iêmen

  25. Libéria

  26. Líbano

  27. Malásia

  28. Mali

  29. Marrocos

  30. Mauritânia

  31. Níger

  32. Nigéria

  33. Paquistão

  34. Qatar

  35. República Centro Africana

  36. Senegal

  37. Serra Leoa

  38. Síria

  39. Somália

  40. Tanzânia

  41. Togo

  42. Uganda


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Fonte: Folha de São Paulo

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