Psicodélicos: FDA decide terapia com MDMA – 06/08/2024 – Virada Psicodélica


A FDA, agência de alimentos e fármacos dos Estados Unidos, tem até domingo (11) para decidir se autoriza o uso de MDMA, ou ecstasy, em psicoterapia para transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Uma decisão favorável poria fim a meio século de ostracismo das substâncias psicodélicas na medicina.

A autoridade norte-americana examina pedido da Lykos Therapeutics, empresa originada da ONG Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos (Maps, em inglês). Não é mais tão certo que o aprove, como se esperava antes de obstáculos levantados contra a terapia psicodélica por um instituto independente e um comitê consultivo da própria FDA.

Alguns países, como Austrália e Canadá, já admitem esse tratamento para TEPT e o uso da psilocibina de cogumelos “mágicos” para depressão. Mas os médicos precisam de licenças especiais para prescrever tais psicodélicos, em poucos casos. Com um sinal verde da FDA, sua reentrada na farmacopeia oficial estaria garantida.

Percalços recentes, nos quais tiveram peso dúvidas sobre qualidade dos dados da Lykos e segurança dos pacientes (inclusive risco de abuso sexual nas sessões), estreitaram a chance de aprovação pela agência. Otimistas ainda consideram possível a autorização, talvez com exigências de dados adicionais ou regras restritivas para prescrição e uso.

Como que antecipando novos requisitos, a Lykos anunciou em 1º de agosto medidas para aumentar a segurança ao tratamento em caso de aprovação: uma comissão independente de consultores, além de parcerias com centros de excelência em saúde mental, para oferecer a terapia com alto grau de supervisão, e instituições educacionais, para treinamento rigoroso de terapeutas psicodélicos.

Entre os consultores convocados está Loree Sutton, uma psiquiatra que chegou ao posto de general nas Forças Armadas dos EUA. Os outros membros da comissão são Barbara Rothbaum, professora de psiquiatria da Universidade Emory, e Robert Chestnut, ex-subprocurador de Justiça dos EUA.

Com a perspectiva de barreiras na FDA, entrou em campo o lobby de veteranos das muitas guerras dos EUA. O belicismo norte-americano produziu legiões de vítimas de TEPT, o que, na falta de tratamentos mais eficazes que antidepressivos e psicoterapia cognitivo-comportamental, resultam na taxa de mais de 6.000 suicídios de ex-combatentes por ano (150 mil desde o 11 de setembro de 2001).

Organizações como Heroic Hearts foram ao ataque contra os críticos dos testes clínicos de fase 3 da Maps/Lykos. Agora são 80 deputados e senadores dos EUA que pressionam a FDA e o governo Joe Biden para que ofereçam a alternativa da psicoterapia assistida por MDMA aos 13 milhões de norte-americanos portadores do transtorno (5% da população adulta; no mundo, a OMS registra que 3,9% manifestem TEPT ao longo da vida).

Uma carta de 61 deputados republicanos e democratas ao Departamento de Assuntos de Veteranos (VA, órgão do Executivo) apontou a falta de inovação, nos últimos 25 anos, que vem contribuindo para elevar taxas de suicídios entre veteranos:

“Se os dados e evidências mostram que [a psicoterapia com MDMA] é segura e eficaz, é nossa obrigação com veteranos tornar disponível essa opção de tratamento”, afirma o texto, segundo a CNN. Também se manifestaram nesse sentido 19 senadores dos dois partidos.

A MDMA figura na classe de substâncias psicodélicas apenas em sentido amplo, pois a alteração da consciência que ocasiona difere de compostos como o LSD, a psilocibina de cogumelos e a dimetiltriptamina (DMT) da ayahuasca. Mais conhecida nas baladas como ecstasy ou bala, ela não induz efeitos visuais, por exemplo.

Especialistas preferem chamar a substância de entactógeno ou empatógeno, por sua capacidade de tornar o paciente mais aberto e imergi-lo numa experiência de comunhão emocional. Esse estado favorece a revisitação de eventos traumáticos, como abusos sexuais e mortes em combate, sem desencadear sofrimento intenso ou ataques de pânico, facilitando o processo terapêutico.

No segundo ensaio clínico de fase 3 com MDMA para estresse pós-traumático, 104 pacientes receberam 9 sessões de terapia: 3 de preparação, 3 de dosagem com MDMA ou placebo e 3 de integração. Ao final de 18 semanas, 71% dos voluntários tratados com o psicodélico apresentavam remissão, contra 48% dos pacientes que tomaram placebo.

O outro composto psicodélico adiantado no processo de análise pela FDA é a psilocibina para tratar depressão. Há dois testes clínicos de fase 3, um do Instituto Usona e outro da empresa Compass Pathways, mas a eventual decisão sobre a droga deve sair só em 2026 ou depois.

A OMS indica que 5% da população mundial sofra com depressão, ou seja, cerca de 400 milhões de pessoas. Um terço disso desenvolve a forma resistente do transtorno, quando não produzem alívio os antidepressivos disponíveis, como a classe dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina introduzida quatro décadas atrás.

Após a pandemia de Covid e com a ansiedade gerada por redes sociais, polarização política e mudança do clima, esse contingente tende a aumentar. Mesmo que os psicodélicos não sejam panaceia para todos, sua aprovação por agências reguladoras daria novos instrumentos para a medicina ajudar quem precisa.

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Psicodélicos ainda são terapias experimentais e, certamente, não constituem solução para todos os transtornos psíquicos, nem devem ser objeto de automedicação. Fale com seu terapeuta ou médico antes de se aventurar na área.

Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, procure meu livro “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”.

Não deixe de ver também as reportagens da série “A Ressurreição da Jurema”:

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/reporter-conta-experiencia-de-inalar-dmt-psicodelico-em-teste-contra-depressao.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/da-caatinga-ao-laboratorio-cientistas-investigam-efeito-antidepressivo-de-psicodelico.shtml

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2022/07/cultos-com-alucinogeno-da-jurema-florescem-no-nordeste.shtml


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Fonte: Folha de São Paulo

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