Transplantes ajudam pessoas com doenças graves de órgãos – 14/09/2024 – Equilíbrio e Saúde


Lucas Rocha, 29, diz nunca ter se esquecido de quando conseguiu correr pela primeira vez. Nascido com fibrose cística, condição genética que afeta os pulmões e obstrui as vias respiratórias, o estudante e consultor óptico de São Paulo dependeu por anos de um aparelho de oxigênio.

Isso mudou em 2019, após um transplante pulmonar. “Fiquei emocionado ao poder respirar sem ajuda de uma máquina. Comecei a correr livre, com o vento no rosto, e não queria mais parar”, conta o jovem, que chegou a escrever um livro contando sua história.

Lucas é um dos milhares de beneficiados pela rede brasileira de doação de órgãos, o maior sistema público de transplantes do mundo.

Tanto a lista com os nomes de potenciais receptores quanto a relação de doações disponíveis são geridos pelo SUS (Sistema Único de Saúde), sob responsabilidade do SNT (Sistema Nacional de Transplantes), explica a médica intensivista Gabriela Nonticuri Bianchi, do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, que é referência no procedimento.

Esse fluxo é gerido em âmbito estadual, já que os órgãos sobrevivem poucas horas sem circulação sanguínea e as cirurgias devem ocorrer com a maior urgência possível. O tempo de espera na lista é determinado por fatores como localização, idade, compatibilidade, condição do receptor e do doador.

“É por isso que preferimos chamar de lista, porque não é bem uma fila, há muitas variáveis envolvidas”, diz Cristiano Silveira, diretor de políticas públicas do Instituto Unidos Pela Vida, que promove ações de conscientização sobre fibrose cística, terceira condição que mais encaminha pacientes para o transplante de pulmão no Brasil.

Marilaine da Costa Nessi Nunes, 46, por exemplo, aguardou por quatro anos até receber um rim. Diagnosticada com lúpus eritematoso sistêmico, doença autoimune que compromete vários órgãos do corpo, inclusive os rins, a bancária dependia de hemodiálise e hoje comemora a nova vida após o transplante. “Ano passado, fiz uma festa de aniversário para o novo rim”, diz.

A lei 9175, de 2017, que regulamenta o procedimento no Brasil, define que a doação de órgãos e tecidos pode acontecer em vida ou após morte encefálica. Pessoas vivas podem doar um dos órgãos duplos (como rins) ou tecidos parciais, desde que haja viabilidade médica e capacidade de regeneração. Essa doação é permitida entre cônjuges ou parentes até o quarto grau. Para outras relações, é necessária autorização judicial.

Já doações de pessoas que tiveram morte encefálica só podem ser feitas com o consentimento da família do paciente falecido. Em 1997, quando foi aprovada a primeira lei referente a doação de órgãos no país, definiu-se que todo brasileiro era potencial doador a menos que indicasse o contrário em documentos pessoais como RG e CNH, mas isso mudou nas normas mais recentes. “Por isso, é tão importante que o assunto deixe de ser tabu”, diz o médico Marcos Saman, coordenador do Programa de Transplante Pulmonar do Núcleo de Transplantes do InCor (Instituto do Coração), ligado ao Hospital das Clínicas da USP.

Segundo o Ministério da Saúde, só em 2019, mais de 5.000 famílias se recusaram a autorizar a doação de órgãos de familiares. Um dos motivos que levam a essa decisão é o desconhecimento sobre a morte encefálica. Muita gente pensa ser possível voltar desse estado, mas a ciência sabe há décadas que ele é irreversível. “Há alguns tipos de coma em que a pessoa pode retornar, mas não é esse o caso da morte encefálica”, diz Saman.

O medo da comercialização ilegal também povoa o imaginário popular. Especialistas reforçam, entretanto, que qualquer venda de órgãos é proibida no Brasil e o trabalho do SUS é cauteloso e transparente em todas as etapas do processo.

Histórias sobre doações de órgãos costumam ser divulgadas e contadas pelas pessoas que receberam para conscientizar sobre a importância do procedimento: uma mesma pessoa pode doar até oito órgãos, salvando várias vidas. Todavia, o encontro da família do doador com o receptor não é incentivado por especialistas nem organizações da área.

“Não é proibido, a maioria desse tipo de contato é motivada por boas intenções, mas nem sempre dá certo e queremos evitar decepções. Há quem tenha, por exemplo, a expectativa de que o seu ente querido esteja vivo no indivíduo transplantado, mas aquela é outra pessoa, é outra vida”, diz Saman.

É nesse sentido que o processo de doação de órgãos também demanda atenção redobrada com a saúde mental. Diagnosticado com doença de Berger, condição autoimune que compromete os rins, Chandler de Oliveira Lemmertz, 33, ficou emocionado ao receber a doação de um rim em 2022. “Pude voltar a fazer planos com a minha família e ter uma nova chance”.

Por outro lado, tanto o período de espera quanto as mudanças após a cirurgia tiveram impactos psíquicos que o empresário hoje trata com psicoterapia. O renascimento após o transplante demanda um estilo de vida diferente, o uso de medicações contínuas e um novo olhar sobre o próprio corpo.



Fonte: Folha de São Paulo

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