Tratamento oferece esperança para quem sofre dor crônica – 21/08/2024 – Equilíbrio


Centenas de milhões de pessoas em todo o mundo sofrem de dores crônicas, ou seja, dores que duram mais de três meses. Embora os números variem de país para país, a maioria dos estudos estima que cerca de 10% da população mundial é afetada, ou seja, mais de 800 milhões de pessoas.

O Centro de CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) americano estima que, em 2021, cerca de 20% dos adultos dos Estados Unidos —mais de 50 milhões de pessoas —sofriam de dor crônica. Dessas, aproximadamente 7% padeciam do que é chamado de dor de alto impacto, que é aquela que limita substancialmente as atividades diárias dos pacientes.

No passado, os médicos costumavam prescrever medicamentos rapidamente, como uma solução simples. Mas a crise dos opioides nos EUA levou os especialistas a reavaliar a dependência de remédios e a procurar novos tratamentos para quem enfrenta a enfermidade.

O podcast The Conversation Weekly, publicado pelo site The Conversation, entrevistou Rachael Rzasa Lynn, uma especialista em controle da dor do campus Médico de Anschutz da Universidade de Colorado. Ela explica alguns dos novos avanços médicos e porque há esperança para os pacientes com dor crônica.

Qual é a causa da dor crônica, no nível mais básico?

Em geral, a dor é uma interação complexa entre lesão ou inflamação do tecido, nervos e processamento cerebral.

Há vários processos biológicos diferentes que podem resultar em sofrimento físico. O que acontece com a maioria das pessoas quando elas sentem a dor aguda é chamado de dor nociceptiva. Ela ocorre quando o tecido está sendo lesionado ou potencialmente prejudicado, o que desencadeia a ativação dos nervos circundantes. Esses nervos são como fios elétricos que enviam sinais do tecido lesionado, através da medula espinhal, para o cérebro, onde a dor é finalmente percebida.

Mas a ativação desses nervos, por si só, não significa que esteja doendo, pois esses sinais elétricos são amplificados ou diminuídos em vários pontos ao longo de seu caminho até o cérebro. A percepção cerebral é fundamental porque a dor não ocorre quando as pessoas estão inconscientes.

A dor nociceptiva também pode resultar de uma lesão ou inflamação contínua do tecido, como no caso de artrite. Com essas lesões, os nervos periféricos estão cronicamente reportando ao cérebro, resultando em uma percepção contínua do padecimento.

Há outros processos de doenças, como a neuropatia periférica diabética, em que os próprios nervos são lesionados. Nesses casos, os nervos enviam sinais de dor ao cérebro, refletindo a lesão dos próprios nervos, e não dos tecidos dos quais eles se originam. Isso é chamado dor neuropática.

Em outras formas de dor crônica, chamadas de dor nociplástica,, a lesão tecidual inicial pode ser totalmente curada, mas o cérebro e o sistema nervoso continuam a gerar sinais de sofrimento físico.

Muitas condições desses danos crônicos envolvem, na verdade, uma combinação de três fenômenos —dor nociceptiva, neuropática e nociplástica—, o que aumenta a dificuldade de diagnóstico e tratamento.

Como os médicos medem a dor?

Acho que todo mundo que já esteve em um hospital na última década conhece a escala numérica em que se pede para avaliar a dor. Essa é uma avaliação unidimensional, que pergunta apenas qual é a intensidade do problema que se está sentindo.

Mas a dor é um fenômeno muito complexo, que tem muito mais elementos do que apenas a gravidade. Portanto, um único valor numérico baseado na gravidade realmente não leva em conta o impacto que ela pode ter na vida diária do paciente, como suas atividades, seus relacionamentos, sua capacidade de dormir, sua felicidade e sua satisfação geral com a vida.

Acho que a coisa mais difícil, na verdade, sobre as muitas formas de dor crônica, é que você não pode vê-la. Não há uma maneira externa e válida de saber realmente quanto tormento alguém está sentindo no corpo. Temos métodos mais recentes para medir a dor que tentam chegar a alguns desses aspectos mais complexos, mas ainda é uma ciência muito incompleta. Tudo ainda é subjetivo, com base no que o paciente diz ser a experiência dele.

Quais são algumas das novas opções mais promissoras de tratamento da dor?

Um tratamento recentemente popularizado é chamado de terapia de reprocessamento da dor, que adota uma abordagem comportamental para eliminá-la.

Em nosso campo médico, os terapeutas orientam os pacientes a entender o que causa a dor crônica e, em seguida, reavaliar as sensações que eles consideram dolorosas —por exemplo, ao se envolverem em movimentos tipicamente doloridos. O objetivo da terapia de reprocessamento é ajudar a perceber os sinais de dor enviados ao cérebro como menos ameaçadores, de modo que o cérebro “desaprenda” a dor.

Outra abordagem que está sendo aplicada de novas maneiras é a chamada ablação nervosa, um procedimento no qual os nervos ao redor de uma área de dor são anestesiados com medicamentos e, em seguida, danificados propositalmente. Nesses casos, os médicos injetam uma substância química ao redor dos nervos ou os aquecem suavemente para que eles não possam mais enviar sinais doloridos de forma eficaz por meses ou até anos. Essa abordagem é usada para dor na coluna vertebral há décadas, mas agora está sendo aplicada mais amplamente em outras áreas do corpo.

Um método semelhante consiste em usar eletricidade para estimular os nervos que servem uma área dolorida a fim de alterar ou bloquear a maneira como os sinais de dor fluem por eles. Essa técnica envolve a colocação de um pequeno dispositivo elétrico ao lado do nervo para fornecer o baixo nível de eletricidade. Esse é um exemplo de neuromodulação que está sendo cada vez mais utilizada para tratar uma ampla variedade de condições de dor crônica em todo o corpo, desde os pés até enxaquecas. Ela tem se mostrado promissora até mesmo no tratamento da dor aguda após cirurgias, como a substituição de articulações do joelho.

Um exemplo clássico de neuromodulação é a estimulação da medula espinhal, que é usada para tratar uma variedade de condições que causam dor crônica. O cirurgião coloca fios sob os ossos das costas, mas fora da medula e do fluido espinhal. Os fios se conectam a uma bateria, semelhante à de um marca-passo, que fornece sinais elétricos aos nervos da medula espinhal para embaralhar os sinais de dor.

Qual foi o papel da crise dos opioides nos EUA?

Essas novas opções de tratamento para pacientes com dor crônica podem não ter progredido tão rapidamente quanto progrediriam se não fosse pela crise dos opioides.

Durante décadas, os opioides foram amplamente prescritos para a dor crônica. Há alguns pacientes para os quais os opioides realmente proporcionam benefícios em termos de alívio da dor e qualidade de vida. Na minha opinião, os médicos se corrigiram um pouco demais, a ponto de, agora, ser difícil para esses pacientes obterem acesso às terapias com opioides que funcionaram tão bem para eles. Devido, em parte, a uma desaceleração na fabricação de opioides nos últimos anos, em algumas partes dos Estados Unidos muitos não conseguem mais ter acesso a esses medicamentos.

Como resultado, os pesquisadores agora estão trabalhando para identificar novos medicamentos que aliviem a dor sem os riscos de dependência e overdose que os opioides apresentam, incluindo os canabinoides. Nos últimos anos, o foco no atendimento ao paciente deixou de ser a medicação e passou a ser as intervenções comportamentais e processuais, incluindo a neuromodulação.

Olhando para o futuro: o que vem a seguir?

Acho que o “Santo Graal” da medicina da dor é tentar descobrir quais pacientes com a mesma condição responderão ao mesmo tratamento. Por exemplo, dois pacientes com uma doença degenerativa do tecido, como a osteoartrite do joelho, podem ter radiografias quase idênticas e, ainda assim, a experiência de dor e a resposta aos tratamentos serem completamente diferentes. Um paciente pode se sair bem com a fisioterapia, enquanto outro pode não melhorar apenas com este recurso e precisar de vários medicamentos, injeções e, por fim, cirurgia; e ainda continuar vivendo com dor.

Pesquisadores, como eu, ainda não sabem quais são as características definidoras de um paciente em relação a outro em termos desses resultados. Isso significa que os planos de tratamento atuais envolvem muita tentativa e erro, o que pode ser lento e frustrante para os pacientes com dor.

Portanto, meu objetivo e minha esperança número 1 para o futuro da medicina da dor é que os pesquisadores encontrem uma maneira melhor de prever quem responderá a um determinado tratamento, o que lhes permitiria combinar cada paciente com o regime de tratamento correto na primeira vez.

Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original.



Fonte: Folha de São Paulo

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