Alimentos produzidos em massa, porém saborosos, como nuggets de frango, salgadinhos de pacote, refrigerantes, sorvetes ou até mesmo pão integral fatiado, eles são rejeitados por muitos nutricionistas.
Os chamados AUP (alimentos ultraprocessados) representam 56% das calorias consumidas no Reino Unido, e esse número é maior para crianças e pessoas que vivem em áreas mais pobres.
Os AUPs são definidos por quantos processos industriais passaram e o número de ingredientes em suas embalagens. A maioria é rica em gordura, açúcar ou sal; muitos você chamaria de fast food.
O que os une é a aparência e o sabor sintéticos, o que os tornou alvo de alguns defensores de uma vida mais saudável.
Há um crescente corpo de evidências de que esses alimentos não são bons para nós. Mas os especialistas não conseguem concordar sobre como exatamente eles nos afetam ou por que, e não está claro se a ciência nos dará uma resposta tão cedo.
Embora pesquisas recentes mostrem que muitos problemas de saúde generalizados, incluindo câncer, doenças cardíacas, obesidade e depressão, estão relacionados aos AUPs, ainda não há provas de que sejam causados por eles.
Por exemplo, uma reunião recente da American Society for Nutrition em Chicago foi apresentada com um estudo observacional de mais de 500 mil pessoas nos Estados Unidos. Descobriu-se que aqueles que comiam mais AUPs tinham uma chance aproximadamente 10% maior de morrer cedo, mesmo considerando seu índice de massa corporal e a qualidade geral da dieta.
Nos últimos anos, muitos outros estudos observacionais mostraram uma ligação semelhante, mas isso não é o mesmo que provar que a forma como os alimentos são processados causa problemas de saúde ou determinar qual aspecto desses processos pode ser o culpado.
Então, como podemos descobrir a verdade sobre alimentos ultraprocessados?
O tipo de estudo necessário para provar definitivamente que os AUPs causam problemas de saúde seria extremamente complexo, sugere Nerys Astbury, pesquisador sênior em dieta e obesidade na Universidade de Oxford.
Seria necessário comparar um grande número de pessoas em duas dietas – uma rica em AUPs e uma baixa em AUPs, mas que correspondessem exatamente ao conteúdo de calorias e macronutrientes. Isso seria extremamente difícil de se fazer.
Os participantes precisariam ser mantidos sob total controle para que sua ingestão de alimentos pudesse ser rigorosamente controlada. O estudo também precisaria recrutar pessoas com dietas semelhantes como ponto de partida. Um enorme desafio logístico.
E como pessoas que comem menos AUPs podem ter estilos de vida mais saudáveis, como fazer mais exercícios ou dormir mais, os participantes dos grupos precisariam ter hábitos muito semelhantes.
“Seria uma pesquisa cara, mas você poderia ver mudanças nas dietas relativamente rápido”, diz Astbury.
Financiamento para esse tipo de pesquisa também pode ser difícil de conseguir. Pode haver acusações de conflitos de interesse, já que pesquisadores com interesse em conduzir esse tipo de teste podem ter uma ideia de quais querem que sejam as conclusões antes de começarem.
De qualquer forma, esses testes não poderiam durar muito tempo – muitos participantes provavelmente desistiriam. Seria impraticável dizer a centenas de pessoas para manterem uma dieta rigorosa por mais do que algumas semanas.
E o que esses testes hipotéticos poderiam realmente provar?
Duane Mellor, líder de nutrição e medicina baseada em evidências na Aston University, diz que cientistas da nutrição não podem provar que alimentos específicos são bons ou ruins ou que efeito eles têm em um indivíduo. Eles podem apenas mostrar benefícios ou riscos potenciais.
“Os dados não mostram nem mais nem menos”, ele diz. Afirmações em contrário são “ciência pobre”, ele diz.
Outra opção seria observar o efeito de aditivos alimentares comuns presentes em AUPs em um modelo de laboratório do intestino humano – algo que os cientistas já estão fazendo.
No entanto, há uma questão mais ampla: a confusão em torno do que realmente conta como AUP.
Geralmente, eles possuem mais de cinco ingredientes, poucos dos quais você encontraria em um armário de cozinha típico.
São tipicamente feitos de ingredientes baratos, como amidos modificados, açúcares, óleos, gorduras e livres de proteína. Então, para torná-los mais atraentes para o paladar e os olhos, realçadores de sabor, corantes, emulsificantes, adoçantes e agentes de glaceamento são adicionados.
Eles variam do óbvio (cereais matinais açucarados, refrigerantes, fatias de queijo americano) ao talvez mais inesperado (húmus de supermercado, iogurtes desnatados, alguns mueslis).
E isso levanta as questões: quão útil é um rótulo que coloca barras de chocolate no mesmo nível que o tofu? Alguns AUPs podem nos afetar de forma diferente de outros?
Para saber mais, a BBC News conversou com o professor brasileiro que criou o termo “alimentos ultraprocessados” em 2010.
O professor Carlos Monteiro também desenvolveu o sistema de classificação Nova, que abrange desde “alimentos integrais” (como legumes e vegetais) em uma extremidade do espectro, passando por “ingredientes culinários processados” (como manteiga), depois “alimentos processados” (coisas como atum em lata e nozes salgadas) até AUPs.
O sistema foi desenvolvido após a obesidade no Brasil continuar a aumentar apesar de o consumo de açúcar cair, e Monteiro perguntou-se o porquê. Ele acredita que nossa saúde é influenciada não apenas pelo conteúdo nutricional dos alimentos que comemos, mas também pelos processos industriais usados para fazê-los e preservá-los.
Ele diz que não esperava a enorme atenção atual sobre os AUPs, mas afirma que “eles estão contribuindo para uma mudança de paradigma na ciência da nutrição”.
No entanto, muitos nutricionistas dizem que o medo dos AUPs é exagerado.
Gunter Kuhnle, professor de nutrição e ciência alimentar na Universidade de Reading, diz que o conceito é “vago” e a mensagem que ele transmite é “negativa”, fazendo com que as pessoas se sintam confusas e com medo da comida.
É verdade que atualmente não há evidências concretas de que a maneira como os alimentos são processados prejudique nossa saúde.
O processamento é algo que fazemos todos os dias: cortar, ferver e congelar são todos processos, e essas coisas não são prejudiciais.
E quando os alimentos são processados em grande escala pelos fabricantes, isso ajuda a garantir que sejam seguros, preservados por mais tempo e que o desperdício seja reduzido.
Tome como exemplo os peixe fritos congelados. Eles usam sobras de peixe, fornecem comida saudável para as crianças e economizam tempo para os pais – mas ainda assim são considerados AUPs.
E quanto aos produtos de substituição de carne, como Quorn? Claro, eles não se parecem com o ingrediente original do qual são feitos (e, portanto, se enquadram na definição Nova de AUPs), mas são vistos como saudáveis e nutritivos.
“Se você fizer um bolo ou brownie em casa e comparar com um que já vem em um pacote, que tem intensificadores de sabor, eu acho que há alguma diferença entre esses dois alimentos? Não, eu não acho”, diz Astbury.
O órgão responsável pela segurança alimentar na Inglaterra, a Food Standards Agency, reconhece relatos de que pessoas que comem muitos AUPs têm maior risco de doenças cardíacas e câncer, mas afirma que não tomará nenhuma medida em relação aos AUPs até que haja evidências de que causam um dano específico.
No ano passado, o Scientific Advisory Committee on Nutrition (SACN) do governo analisou os mesmos relatórios e concluiu que havia “incertezas em torno da qualidade das evidências disponíveis”. Ele também tinha algumas preocupações em torno da aplicação prática do sistema Nova no Reino Unido.
Monteiro, por sua vez, está mais preocupado com os processos que envolvem calor intenso, como a fabricação de flocos e bolinhas de cereais matinais, que, segundo ele, “degradam a matriz alimentar natural”.
Ele aponta para um pequeno estudo que sugere que isso resulta em perda de nutrientes e, portanto, nos deixa menos satisfeitos, o que significa que ficamos mais tentados a compensar a deficiência com calorias extras.
Mas também é difícil ignorar o crescente senso de autojustiça e até esnobismo em torno dos AUPs, que pode fazer com que as pessoas se sintam culpadas de comê-los.
Adrian Brown, nutricionista especialista e pesquisador sênior da University College London, diz que demonizar um tipo de alimento não é útil, especialmente quando o que e como comemos é uma questão tão complicada. “Temos que estar atentos à moralização da comida”, ele diz.
Viver uma vida sem AUPs pode ser caro – e preparar refeições do zero leva tempo, esforço e planejamento.
Um relatório recente da Food Foundation descobriu que alimentos mais saudáveis eram duas vezes mais caros do que alimentos menos saudáveis por caloria, e os 20% mais pobres da população do Reino Unido precisariam gastar metade de sua renda disponível em alimentos para atender às recomendações de dieta saudável do governo. Aos mais ricos, custaria apenas 11% do seu orçamento.
Perguntei Monteiro se é possível viver sem AUPs.
“A questão aqui deveria ser: é viável interromper o consumo crescente de AUPs?”, ele diz. “Minha resposta é: não é fácil, mas é possível.”
Muitos especialistas dizem que o atual sistema de semáforo nos rótulos dos alimentos (que sinaliza níveis altos, médios e baixos de açúcar, gordura e sal) é simples e útil o suficiente como um guia na hora de fazer compras.
Agora, há aplicativos de smartphone disponíveis para o comprador inseguro, como o aplicativo Yuka, com o qual você pode escanear um código de barras e obter mais informações sobre o produto.
E, claro, há o conselho que você já conhece – coma mais frutas, vegetais, grãos integrais e feijões, enquanto reduz a gordura e os lanches açucarados. Manter isso continua sendo uma boa ideia, independentemente de os cientistas provarem que os AUPs são prejudiciais ou não.
Este texto foi publicado originalmente aqui.