Os antidepressivos estão entre os medicamentos mais prescritos nos países ricos, incluindo Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e em grande parte da Europa Ocidental.
O que acontece quando se para de tomar esses remédios, normalmente não prescritos para uso prolongado, tem sido uma questão controversa desde que o medicamento foi descoberto e empregado na prática clínica, na década de 1950.
Num estudo publicado em 5 de junho de 2024, na revista The Lancet Psychiatry, constatou-se que 14% dos que interromperam o uso de antidepressivos apresentaram sintomas de abstinência, como tontura, dores de cabeça, náusea, insônia e irritabilidade. Essa proporção, de um para sete, surpreende, pois é bem menor do que esperavam diversos especialistas em antidepressivos.
“Será gratificante saber que as taxas de síndrome de abstinência não são nem de longe tão altas quanto as até então relatadas, em torno de 50%”, comenta Sameer Jauhar, psiquiatra do King’s College de Londres, especializado em transtornos afetivos, que não participou do estudo.
No entanto, os pacientes que suspenda a medicação precisam ser informados sobre os sintomas de abstinência “que são reais e precisam ser monitorados e tratados, caso ocorram”, enfatiza o autor principal Christopher Baethge, psiquiatra da Universidade de Colônia, na Alemanha.
Baixa incidência de sintomas graves
A meta-análise, que é a mais abrangente pesquisa já feita até o momento para avaliar a prevalência de sintomas de descontinuação de antidepressivos, incluiu 79 estudos científicos com um total de 21.002 participantes adultos.
Os estudos incluíram 44 ensaios de controle randomizados e 35 estudos observacionais relacionados aos sintomas de descontinuação de antidepressivos publicados entre 1961 e 2019.
Os autores estimam que cerca de uma em cada sete pessoas relatou ter pelo menos um sintoma após a interrupção dos antidepressivos, enquanto um pequeno número —cerca de uma em cada 35— relatou sintomas graves.
“Os sintomas graves de descontinuação ocorrem muito menos, mas devem ser levados a sério e são importantes, pois muitos milhões de pacientes tomam antidepressivos. Não está claro quais sofrerão com a abstinência”, observa Eric Ruhé, psiquiatra do Hospital Universitário Radboud, na Holanda.
Também não ficou claro no estudo quanto tempo os sintomas de abstinência podem durar, após a interrupção dos antidepressivos, mas a pesquisa indica que “eles geralmente desaparecem depois de duas a seis semanas, ou quando os antidepressivos são retomados”, explica Baethge.
Os medicamentos desvenlafaxina, venlafaxina, imipramina e escitalopram foram os mais frequentemente associados à síndrome de abstinência. A fluoxetina e a sertralina apresentaram as menores taxas de sintomas.
O que causa sintomas de descontinuação de antidepressivos?
A maioria dos antidepressivos pertence a um grupo de medicamentos conhecidos como inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS). Os ISRS funcionam bloqueando a recaptação da serotonina no cérebro, de modo que esse neurotransmissor não fica mais disponível para atuar nas células cerebrais.
Os cientistas não entendem completamente como surge a síndrome de abstinência, mas uma teoria é que “retirar o aumento da serotonina ao interromper os ISRS, provoca os sintomas de privação”, explica Baethge.
As flutuações do nível de sinalização da serotonina no cérebro podem afetar uma série de estados cerebrais, como percepção sensorial, estados emocionais e estados de sono-vigília. Mas ainda não está claro como a retirada dos ISRS está relacionada a sintomas específicos, como tontura, dores de cabeça ou insônia.
Algumas teorias relacionadas a uma ligação entre a serotonina e a depressão foram criticadas como simplistas demais pelos pesquisadores. Atualmente estão sendo desenvolvidas teorias mais abrangentes sobre a depressão.
Efeito “nocebo” e expectativa de sintomas
A pesquisa também constatou que quase um em cada cinco participantes dos grupos de placebo dos estudos descreveu sintomas semelhantes aos relatados pelo grupo que havia interrompido o uso de antidepressivos.
Baethge acredita que isso se deve a um efeito “nocebo”, no qual “a expectativa de que coisas ruins acontecerão, quando se toma ou deixa de tomar um medicamento, cria uma maior consciência da piora da ansiedade ou da depressão depois de tomar o remédio”: “Esse efeito pode ser ampliado quando o médico alerta o paciente sobre os possíveis efeitos colaterais.”
Para Baethge, as descobertas sugerem que entram em jogo sintomas não específicos, semelhantes às flutuações normais da percepção sensorial.
“Não estamos dizendo que é tudo coisa de cabeça. É tentador pensar que se algo ocorre com placebo, é tudo imaginação. A questão é que os pacientes realmente sentem tontura, por exemplo, e isso precisa ser levado a sério, independente da causa.”