Como qualificar alguém com rótulos pode afetar no desenvolvimento da personalidade de crianças – 21/05/2024 – Equilíbrio


Na criação e na educação, as palavras se tornam fios invisíveis que contribuem para a construção da identidade dos mais jovens. O que acontece quando essas palavras assumem a forma de rótulos, quando categorizamos com adjetivos que podem servir de impulso, mas também inibem? Somos arquitetos benevolentes ou limitadores involuntários de seus sonhos?

As palavras constroem, mas também classificam. Há um equilíbrio delicado entre o elogio edificante e as correntes aprisionadoras. E vale a pena refletir se o uso que fazemos das palavras está construindo pontes ou barreiras para as crianças que as ouvem.

Rótulos infantis: além do elogio e da crítica

O termo rótulo refere-se ao processo pelo qual as pessoas desenvolvem uma classificação ou descrição para identificar aqueles que se desviam significativamente do que é “apropriado ou inapropriado”.

Alguns especialistas as definem como a atribuição de supostas qualidades a um determinado sujeito que são utilizadas para descrevê-lo ou identificá-lo. Nesse sentido, quando os usamos, estamos implicitamente julgando o quanto uma pessoa está longe ou perto das expectativas sociais ou dos critérios estabelecidos pela sociedade.

Impacto no desenvolvimento

Vários autores consideram dois tipos de rótulos: positivos e negativos. Com relação a esse último, alguns estudos afirmam que as avaliações negativas persistentes do desempenho de uma criança pelas figuras de autoridade ao seu redor podem influenciar a percepção que a criança tem de si mesma. Se dissermos com frequência “você é muito lento!”, “você está sempre errado!” ou “você sempre erra!”, será muito difícil mudar essa autopercepção em estágios posteriores do desenvolvimento.

Mais especificamente, essas expectativas podem ter um impacto sobre o comportamento e a personalidade, afetando negativamente a autoestima e a autopercepção, o que pode levar a um sentimento de inferioridade.

Os rótulos positivos também não são necessariamente bons. O psicólogo Jonathan Secanella afirma que quando os jovens são rotulados por suas realizações, por exemplo, dizendo “você foi bem na prova porque é inteligente”, estamos relacionando valor com desempenho. Isso pode nos levar a pensar que, se o desempenho cair, também valeremos menos.

Portanto, é um erro pensar que, se dermos aos nossos filhos ou alunos rótulos positivos frequentes, estaremos necessariamente ajudando-os a ter melhor autoestima. Estudos mostram como as crenças dos pais, que influenciam os rótulos que eles dão a seus filhos, afetam o desenvolvimento de habilidades de reconhecimento emocional na infância.

Para a criança que está acostumada a pensar que é muito inteligente porque tira boas notas, por exemplo, isso pode levar ao medo do fracasso, à maior intolerância à frustração e ao aumento da autoexigência.

Como podemos, então, transmitir a mensagem de que algo foi bem feito ou que achamos que o que eles fizeram é digno de elogio? A chave pode ser vincular os rótulos ao processo e não ao resultado, especialmente no domínio acadêmico. Por exemplo, mostrar nossa satisfação com o grau de envolvimento ou esforço em vez da nota obtida.

Aprimoramento do aprendizado ou estigmatização

Embora a pesquisa mostre que separar os alunos de acordo com a capacidade pode ser positivo para uma educação mais personalizada e, portanto, mais eficaz, outros especialistas consideram que essas práticas levam à estigmatização, à rejeição e à ridicularização dos colegas e, consequentemente, ao isolamento e ao afastamento.

Os rótulos têm o poder de definir o que um indivíduo se tornará. Eles afetam diretamente nossas crenças sobre nossas habilidades, de modo que um indivíduo, uma vez rotulado, esperará o mesmo resultado de si mesmo em situações semelhantes, sem enfrentá-las com as expectativas intactas. Por exemplo: “Como me disseram que sou ruim em matemática, sei que não entenderei a lição”. Isso é o que é conhecido como “profecia autorrealizável”.

A profecia “autorrealizável”

Na psicologia, o efeito Pigmalião refere-se à influência potencial que as crenças de um indivíduo podem ter sobre o desempenho de outro. Esse fenômeno se torna perceptível quando rótulos repetidos em relação a crianças são internalizados e se tornam uma realidade assumida.

Especialistas descobriram uma ligação entre a rotulagem de crianças e o efeito Pigmalião, mostrando que há uma grande probabilidade de que as expectativas dos adultos possam se tornar profecias autorrealizáveis.

Esse fenômeno geralmente ocorre com as percepções que os pais e professores transmitem às crianças sobre quem elas são. As percepções cognitivas dessas crianças “forçam” a realidade (por meio da ação) de tal forma que elas se tornam confirmadas percepções e expectativas.

É possível, e positivo, não categorizar as crianças de acordo com suas características, habilidades ou capacidades. Podemos fazer isso se considerarmos o impacto que nossas palavras podem ter e aprendermos a abordar os desafios dos pais com comunicação e reforço positivo.

Por exemplo, quando nos deparamos com a dificuldade de uma criança em manter seus pertences e espaços pessoais organizados, em vez de dizer “você é bagunceiro”, podemos sugerir que organizem os espaços juntos ou pedir: “Tente arrumar seu quarto, tenho certeza de que você vai se sair bem e, se precisar de ajuda, me avise”.

Expressar “você é muito especial para mim” destaca a singularidade do indivíduo além de suas realizações específicas. Ao transmitir a uma criança que ela é “boa” em determinada tarefa, sem relacionar isso ao seu grau de obediência ou submissão, podemos dizer: “Adoro o modo como você se esforçou para terminar a lição de casa” ou “Notei que você dividiu seus brinquedos com seu amigo, isso foi muito legal”.

Em vez de dizer: “Você é talentoso”, podemos comentar: “Vejo que você gosta de pintar, gostaria de experimentar novas técnicas ou cores?

É importante ressaltar que o elogio e o reforço positivo devem ocorrer no momento exato em que a ação acontece: ao dar reconhecimento imediato, reforçamos a conexão entre um comportamento e sua resposta positiva. Dessa forma, o elogio ou as recompensas estão ligados à ação em si, e não à identidade, à personalidade ou ao valor intrínseco da criança.

Este texto foi publicado no The Conversation. Clique aqui para ver a versão original



Fonte: Folha de São Paulo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

?>