Esta pergunta vai para o leitor rendido ao aconchego do sofá e aos deleites da orgia gastronômica. Àquele, em especial, que sua frio com a mera mentalização de uma corridinha no parque numa manhã ensolarada de sábado. E que jamais deixa escapar a promoção pague 1 leve 2 daquela famosa rede de restaurantes, tatuada em nosso hipocampo com o símbolo M, de morte súbita. Que tal, meu caro, se a ciência te presenteasse com uma pílula substituta das agruras do exercício e da dieta, capaz de preservar-lhe a boa saúde, a despeito dos seus hábitos, digamos, não tão bons assim?
Cientistas alegam estar próximos dessa façanha. De fato, estudos com roedores são animadores. Num destes, camundongos foram engordados com dieta hipercalórica e exercitados ao mínimo. Quando receberam a droga experimental SLU-PP-332, os animais melhoraram força muscular, função cardíaca e níveis de açúcar e gordura no sangue. A substância de nome esquisito codifica uma série de proteínas envolvidas na queima de gordura, tal qual o faz o treinamento aeróbio. Drogas desse tipo são apelidadas de miméticas ou pílulas do exercício.
E há também os candidatos a miméticos da dieta. Camundongos obesos tratados com extrato de manoheptulose (MH) —um açúcar encontrado em abacates verdes— exibiram ganhos notáveis de saúde, como queda no peso, melhora de capacidade física e diminuição de açúcar circulante.
A reboque do retumbante fracasso de boa parcela da sociedade em aderir a um estilo de vida saudável, aumenta a expectativa com as pílulas do exercício e da dieta. Seriam a nossa tábua da salvação?
Francamente, não me encontro entre os mais otimistas. Antes, porque os ensaios com humanos ainda engatinham. E nos estudos preliminares, os benefícios clínicos nem de perto se assemelham aos observados em cobaias de laboratório —como de costume, aliás. (Alguém aí se lembra da quixotesca saga da pílula do câncer, a tal que, como se provou em humanos, não curava câncer?). Em segundo lugar, a segurança dos novos miméticos não é matéria superada. A droga GW1516 —que prometia entregar os benefícios do exercício num comprimido— provocou o crescimento tumoral em animais de experimentação. E não nos esqueçamos dos custos. O desenvolvimento de uma nova droga pode superar a cifra de 1 bilhão de dólares. No balcão da farmácia, alguém deverá pagar a conta; advinha quem? Finalmente, é preciso lembrar que a prática de atividade física e a boa alimentação produzem múltiplos e sistêmicos benefícios, que vão da saúde física ao bem-estar. Encapsulá-los todos —ao que ambiciona um mimético por conceito— seria um dos feitos mais improváveis, que na boca de um cientista, beira o sensacionalismo.
E a ciência sensacionalista não leva a um bom caminho. No afã de obter pomposos financiamentos de pesquisa ou vender boas ideias para a indústria farmacêutica, alguns cientistas têm vindo a público anunciar o nascimento de novas pílulas do estilo de vida —mesmo quando estas se encontram, se tanto, em estágio embrionário. Esse tipo de discurso fiteiro-científico é costumeiramente amplificado por um jornalismo despreparado para contar os fatos à luz das necessárias ressalvas do parágrafo anterior. Assim, instila-se nas pessoas a esperança por um elixir, que pode nunca chegar.
Não é nada banal a invenção de uma pílula capaz de substituir o empreendimento de prover “a quantidade certa de nutrição e exercício físico”, que Hipócrates (460 a.C.) postulara como “caminho mais seguro para a saúde”. Talvez Aldous Huxley tenha sido quem mais perto chegou disso com seu ilustre soma —droga com “todas as vantagens do cristianismo e do álcool; nenhum dos seus defeitos”. Mas que o leitor não se iluda. Em “Admirável Mundo Novo”, a distopia deu a Huxley aquela forcinha.
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