Efeito da psilocibina no cérebro pode ser terapêutico – 18/08/2024 – Equilíbrio


Muitos estudos sugeriram que a psilocibina, o ingrediente ativo dos chamados “cogumelos mágicos”, pode ser útil no tratamento de uma variedade de condições de saúde mental. Mas não sabemos realmente o que está acontecendo no nível das “redes cerebrais funcionais” —as vias de comunicação que conectam diferentes regiões do cérebro.

Para entender melhor isso, pesquisadores da Washington University School of Medicine em St. Louis escanearam o cérebro de sete voluntários saudáveis várias vezes, antes, durante e depois de ingerirem psilocibina. Eles publicaram recentemente suas descobertas na revista científica Nature.

Cada participante do estudo teve seu cérebro escaneado uma média de 18 vezes. Os exames —usando ressonância magnética funcional (fMRI), que mede as alterações do fluxo sanguíneo no cérebro— revelaram que as conexões dentro das redes cerebrais estabelecidas foram perturbadas, enquanto a comunicação entre as redes aumentou. Em outras palavras, a imprevisibilidade do processamento normal de informações no cérebro aumenta com a psilocibina. O cérebro psicodélico torna-se desordenado.

Há muito a se elogiar nesse novo estudo. O que o torna particularmente novo é o rigor e a alta qualidade com que a pesquisa foi conduzida. Qualquer pessoa que já tenha conduzido um estudo usando fMRI sabe o quanto é demorado e caro realizá-lo. Acrescente a isso a complexidade de lidar com participantes que estão viajando. O estudo também deve ser elogiado pelo uso de um “controle ativo” (uma droga estimulante).

Os pesquisadores observaram alterações cerebrais duradouras nas conexões entre o hipocampo (uma parte do cérebro associada à memória de curto prazo) e a rede de modo padrão (uma rede de regiões cerebrais que fica ativa quando uma pessoa está em repouso e não está concentrada no ambiente externo) nos dias e semanas após a experiência psicodélica. Essas mudanças podem estar por trás dos efeitos neuroplásticos (maleabilidade do cérebro) e terapêuticos da psilocibina. Dessa forma, esse estudo se encaixa bem no interesse renovado na terapia psicodélica assistida para o tratamento de ansiedade, depressão e dependência.

Limitações

Como o estudo incluiu apenas voluntários saudáveis, no entanto, não está claro se os resultados se aplicam a pacientes —aqueles que podem se beneficiar da psicoterapia assistida por psilocibina.

Além disso, a maioria das descobertas foi baseada em observações repetidas de apenas seis participantes (já que um participante abandonou o estudo). Como não há informações sobre as experiências anteriores desses participantes com psicodélicos, existe o risco de “viés de seleção”, o que limita ainda mais nossa capacidade de generalizar essas descobertas para uma população mais ampla.

Alguns outros problemas impõem restrições adicionais às inferências que podem ser feitas. Embora o estudo tenha usado um placebo ativo, e não apenas uma pílula de açúcar inerte, não foi fornecida nenhuma informação sobre a possibilidade de os participantes e os pesquisadores saberem se a psilocibina ou um placebo foi administrado após o início do experimento.

É muito provável que isso aconteça e é um problema comum em estudos psicodélicos: devido aos efeitos psicoativos da psilocibina, o procedimento duplo-cego (em que nem os pesquisadores nem os participantes sabem quem está tomando a droga real e quem está tomando o placebo) é simplesmente impraticável. Isso causa um problema porque sabemos, com base em pesquisas anteriores, que experiências do tipo místico também podem ser induzidas por meio de efeitos placebo.

Dessa forma, não está claro até que ponto as diferenças observadas na atividade cerebral se devem exclusivamente à droga ou também estão relacionadas às crenças e expectativas dos participantes sobre os efeitos da psilocibina.

Muitos dos autores também relatam conflitos de interesse. Isso não é um sinal de alerta em si, mas alguns dos conflitos de interesse estão diretamente relacionados à comercialização das neurotecnologias (como o uso de fMRI de precisão para fins terapêuticos) usadas em seu estudo. E, de acordo com o artigo, não está claro como o risco de possível viés foi atenuado.

Também parece haver desvios do protocolo do estudo, ou seja, seus métodos, objetivos primários e o que é relatado no artigo. Por exemplo, um objetivo secundário do estudo era medir mudanças duradouras no bem-estar dos participantes, medidas por meio do questionário de efeitos persistentes. Se esses resultados tivessem sido relatados, poderiam ter nos dito algo sobre a relevância clínica da dosagem de psilocibina. Infelizmente, porém, nenhum dado sobre esse questionário pode ser encontrado no artigo.

Permanecem dúvidas

À primeira vista, as mudanças nos padrões cerebrais parecem impressionantes, mas não está imediatamente claro o que essas imagens cerebrais sofisticadas implicam exatamente. O que está faltando na imagem são os dados subjetivos autorrelatados. Somente esses dados podem nos ajudar a esclarecer o que as mudanças na conectividade neural refletem.

Questões importantes que permanecem são: o que significa para uma pessoa ter um cérebro que se torna mais desordenado? E qual é a relação entre as mudanças observadas na atividade cerebral e como as pessoas se sentem e alcançam sucesso em suas vidas?

Para responder a essas perguntas, precisamos abrir a caixa preta da neurociência. Por exemplo, incorporando novos métodos que nos permitam preencher a lacuna entre os dados “objetivos” do cérebro e a experiência humana “subjetiva”.

Somente quando a estranheza da experiência psicodélica subjetiva for colocada de volta na imagem do cérebro poderemos dizer se valeu a pena escanear todos esses participantes. Até lá, devemos ter cuidado para não alimentar grandes esperanças em pacientes desesperados, com base na natureza atraente de imagens coloridas.

Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original.



Fonte: Folha de São Paulo

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