Pastores mudam conduta após vivenciarem doenças mentais – 17/04/2024 – Evangélicos


Aos 23 anos, o pastor José Almeida iniciou seu ministério em uma igreja batista, em São Paulo. Segundo ele, foram 25 anos pregando, servindo pessoas e ao ministério, sem nenhuma pausa.

A conta chegou em 2015, quando passou a ter picos de ansiedade, burnout e estafa, que o levaram para uma internação de 12 dias.

Como muitos evangélicos de sua época, Almeida associava doença mental a pecados ou demônios, por isso, resistiu em procurar ajuda psiquiátrica. “Minha saúde física e emocional foi se degradando e cheguei ao fundo do poço”, lembra.

“Minha esposa foi orientada pelos médicos a esconder instrumentos de corte e colocar grade nas janelas”, lembra o líder de 60 anos, que chegou a tomar 56 doses de remédios por dia, durante seu tratamento.

As medicações foram suspensas em 2022, mas as terapias continuam até hoje, e ele diz reconhecer mais fácil os gatilhos, sendo a falta de descanso, o maior deles.

O número de pastores com depressão, estafa e ansiedade que passaram a buscar ajuda no Instituto Onari de Psicanálise Cristã aumentou muito nos últimos anos, segundo o médico e psicanalista que coordena o local, Pedro Onari.

Ao contrário de psicólogos, cujo código de ética veda a utilização do título associado a vertentes religiosas, a psicanálise, por ser um curso livre, permite tal fusão.

Onari explica que a associação da psicanálise clássica, neurociência e ensinamentos de Jesus formam um combo para acessar o inconsciente e acolher o sofrimento humano. “Muitos casos de depressão não têm relação alguma com a espiritualidade. São inconscientes cheios de princípios adquiridos ao longo da vida, geralmente trocados por traumas e fantasias, desenvolvidos principalmente na infância”, pontua.

“Libertar pessoas dos próprios pensamentos não é espiritual”, reitera o psicanalista, que afirma atender muitos casos de depressão em sua clínica.

“Ao olhar para a depressão, é preciso imaginar uma laranja com muitos gomos”, diz o pastor titular da Igreja Mevam (Missões Evangelísticas Vinde Amados Meus) em Campinas (SP), Jucélio de Souza, 55. Ele refere-se aos inúmeros fatores que podem levar uma pessoa à doença, como histórico familiar, perdas, traumas, falta de vitaminas, estresse ou doenças físicas.

Ele foi diagnosticado com depressão, tomou remédios psiquiátricos por um tempo e conta ter vivido uma experiência intensa de cura.

“Deus me levou para uma depressão para confrontar minhas crenças erradas. Eu saí dali um Jucélio com muito mais misericórdia, com muito mais amor, menos julgador, menos orgulhoso, menos soberbo, menos tudo que era ruim”, testemunha.

O líder cita Oséias 6, no antigo testamento, para explicar por que passou por tudo isso. “Vinde, e tornemos para o Senhor, porque ele nos despedaçou e nos sarará; fez a ferida e a ligará. Depois de dois dias, nos revigorará; ao terceiro dia, nos levantará, e viveremos diante dele”, dizem os dois primeiros versículos.

“Independentemente da causa, Deus usou o naufrágio emocional para me curar. Desilusão é um elemento da pedagogia de Deus e se a vida emocional foi abalada, significa que as emoções estavam se acomodando de forma desordenada dentro de nós. Ele [Deus] vai ferir as bases de crenças erradas, inclusive bases de crenças religiosas equivocadas para devolver saúde para nós”, pontua.

Souza destaca o papel paralelo da igreja na vida de quem está buscando a mesma cura. “A igreja é uma UTI, e nela há pessoas que vão abraçá-lo e ajudá-lo. Ao viver essa experiência, a pessoa vai sair do outro lado mais feliz, agradecida pelo túnel escuro que passou, porque encontrou uma claridade, uma luz, que antes não tinha”.

O pastor José Almeida também cita as mudanças na forma de tratar as ovelhas que chegaram até ele com questões de saúde mental após seu tratamento.

“Minha visão de mundo, meu atendimento pastoral e a forma de acolher as pessoas mudaram radicalmente. Antes julgava e até condenava. Hoje sou mais humano, mais misericordioso”, diz o pregador, que estudou psicanálise e hoje oferece seminários e rodas de conversa sobre saúde mental em sua igreja.

evangelicos@grupofolha.com.br


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Fonte: Folha de São Paulo

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