Entre 2013 e 2023, uma média de 215 servidores públicos federais se afastaram do trabalho a cada ano para cuidar da saúde mental. No setor, fatores como baixa flexibilidade para mudar de equipe e sobrecarga de trabalho, causada pela falta de novos servidores, podem agravar o sofrimento psicológico dos profissionais, segundo especialistas.
Depressão e ansiedade são as condições psíquicas que mais afetaram os servidores na última década, com respectivamente 563 e 475 pessoas afastadas devido a essas doenças. Em seguida, vem o transtorno misto ansioso e depressivo, que gerou a saída temporária de 388 profissionais, e a reação aguda ao estresse, com 315.
Bipolaridade e depressão grave levaram a um maior tempo de afastamento, de 116 dias (3,8 meses) e 72 dias (2,3 meses), respectivamente. Transtornos de ansiedade e reação aguda ao estresse aparecem em seguida, com 67 e 58 dias.
No período analisado, há profissionais que se distanciaram da função mais de uma vez. Com isso, a média é de 277 afastamentos por ano. O pico foi em 2018, que teve 425 saídas temporárias de servidores.
Os dados são do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS) e foram solicitados pela Lei de Acesso à Informação. Hoje, o Executivo federal tem 572 mil profissionais.
O ano de 2020, o primeiro da pandemia de Covid-19, apresenta uma queda brusca de afastamentos. Questionado sobre a razão, o MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), responsável pelo SIASS, não respondeu.
Em geral, profissionais se afastam do emprego quando o sofrimento mental se torna insustentável, segundo especialistas.
No mercado privado, quando um funcionário enfrenta uma condição psicológica agravada pelo trabalho, ele tem mais facilidade para mudar de equipe, segundo Marcelo Ribeiro, coordenador do Centro de Psicologia Aplicada ao Trabalho da USP e professor de psicologia na mesma instituição.
No setor público, a falta de flexibilidade para transitar entre órgãos dificulta esse processo e o afastamento se torna a principal opção.
Somado a isso, o servidor sofre pressões diferentes do trabalhador da iniciativa privada. Embora tenham estabilidade, profissionais públicos estão mais submetidos a questões políticas que também podem gerar sofrimento mental.
“A mudança de governo vai afetar porque coisas que já foram conquistadas e estão estabilizadas, dependendo da troca de gestão, tendem a mudar. Isso traz uma insegurança que pode afetar a saúde mental muito rapidamente”, diz o professor da USP.
Um estudo de pesquisadores da FGV e da UnB (Universidade de Brasília), publicado no ano passado, mostrou como o assédio institucional abala o psicológico dos profissionais públicos.
A pesquisa analisou o aumento de PADs (processos administrativo disciplinar) contra servidores ambientais durante o governo Jair Bolsonaro (PL). Enquanto enfrentavam esses processos, que poderiam gerar seu desligamento, os profissionais entrevistados no estudo relataram surgimento de problemas de saúde mental.
O setor público também têm passado por perdas salariais e baixa entrada de novos profissionais devido à diminuição de concursos. Tais fatores reduzem o engajamento com o trabalho, geram sobrecarga nos servidores e, consequentemente, prejudicam sua saúde mental, de acordo com Wladimir Ferreira, professor de psicologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
“Esse grupo enfrenta falta de perspectivas na carreira, salários atrasados, falta de recursos para exercício de atividades essenciais. Também vão surgindo novas demandas, e a quantidade de trabalhadores para dar conta delas vem sendo reduzida”, afirma.
Na pandemia, a renda média dos servidores públicos caiu mais do que a de trabalhadores da iniciativa privada, de acordo com dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2022.
Entre 2020 e 2021, também caiu o número de funcionários contratados por concurso em estados e municípios, segundo dados das Pesquisas de Informações Básicas Municipais e Estaduais do IBGE, publicadas em 2022.
Além disso, o estigma permanece como um desafio para tratar da saúde mental, ainda que a discussão sobre o tema tenha aumentado, de acordo com Marcelo Ribeiro, professor da USP.
“A pessoa não tem problema nenhum de falar que foi diagnosticada com Covid e vai ter que ficar uma semana fora. É muito diferente de comunicar que ela foi em um psiquiatra e descobriu que está desenvolvendo um quadro depressivo muito pesado”, diz.
O tabu gera um desconhecimento sobre o tema que faz com que muitos não saibam identificar os sintomas de um problema psicológico. Wladimir Ferreira, da Uerj, afirma que, por isso, o número de afastamentos no setor público deve ser apenas uma fração do quadro de saúde mental dos servidores.
Pesquisa Datafolha feita em agosto de 2023 mostrou que três em cada dez brasileiros se sentem ansiosos, um quarto demonstra pouco interesse em fazer as coisas e um quinto sente dificuldades para se concentrar. No entanto, apenas 7% avaliam sua saúde mental como ruim ou péssima.
Os especialistas defendem que sejam criados programas dedicados a discutir e prevenir problemas de saúde mental, para que a gestão de pessoas no setor público esteja atenta ao emocional dos servidores.
“Algumas pessoas podem estar sofrendo e adoecendo, mas em silêncio. Nesses casos, a situação não chega a ser visibilizada, muito menos notificada e resolvida”, declara Wladimir Ferreira.