Transtornos alimentares também afetam atletas – 01/08/2024 – Não Tem Cabimento


Todos os corpos estão sujeitos à pressão estética. É possível encontrar indivíduos em sofrimento com relação ao seu corpo entre pessoas com obesidade ou atletas, comumente magras e leves. Cerca de 4% das pessoas com obesidade podem desenvolver algum transtorno alimentar, de acordo com Adriano Segal, da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), mas atletas também estão altamente suscetíveis a eles.

Segundo a National Eating Disorders Association (NEDA) [Associação Nacional de Transtornos Alimentares, em tradução livre], nos Estados Unidos, de 6 a 40% das atletas mulheres apresentam sintomas de transtornos alimentares, contra 0 a 19% dos homens. Apesar de altos, os números podem não refletir a realidade, já que a maior parte dos dados disponíveis datam de mais de uma década, além de haver subnotificação dos transtornos alimentares.

A multifatorialidade das doenças do tipo, que envolvem aspectos genéticos, bioquímicos e culturais, se somam a comportamentos nocivos que tendem a ser justificados enquanto medidas para melhorar o desempenho no esporte, como no caso da ginástica, em que ser leve facilita os movimentos, ou lutas como judô ou boxe, em que é preciso manter um peso para cada categoria, por exemplo. Assim, a tentativa de alcançar um número específico na balança pode ser um risco que leva atletas a comer de forma disfuncional ou até a desenvolver anorexia ou bulimia.

Apesar da tração no debate sobre saúde mental no esporte pautada por eventos como a desistência da ginasta Simone Biles dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020, e a união entre a ginasta brasileira Rebeca Andrade e outras atletas para abordar o tema no Projeto Inspire, os transtornos alimentares seguem marginalizados nessa discussão. “É um tabu e nem são mencionados nas instituições”, diz a nutricionista Thaís Neri, que integra a equipe do setor de Ginecologia do Esporte da Unifesp.

Ao blog Não Tem Cabimento, a especialista diz que mesmo no universo esportivo, em que o corpo é o instrumento de trabalho de equipes inteiras, a falta de informação e diálogo sobre essas doenças psiquiátricas e a nutrição são um denominador comum. A forma como os carboidratos são vilanizados na mídia e na divulgação de dietas é um dos reflexos dessa desinformação. Assim, parte de sua rotina de trabalho com atletas envolve lembrá-las do básico: carboidratos dão energia e as proteínas constituem e mantêm a massa muscular. “Os sintomas [dos transtornos] podem aparecer sob justificativas como ‘eu não gosto de carboidratos’, ‘me sinto mal quando como determinado alimento’, e até ‘eu vomito sem querer’. É difícil que elas identifiquem o problema e peçam ajuda”, diz.

A psicóloga Márcia Martins, que também colabora com o Ambulatório de Ginecologia do Esporte da Unifesp, além de atuar no Esporte Clube Pinheiros com atletas da base até alta performance, endossa a importância de uma relação próxima entre atletas e nutricionistas. “Há muitos mitos sobre alimentação e é comum ver atletas com medo de engordar. O nutricionista é a melhor pessoa para explicar o quê e porquê comer”, diz. Parte do seu papel com os profissionais também é conscientizar. “É um trabalho de formiguinha: tentamos ajudar as pessoas a acreditarem no que o nutricionista está falando, além de orientar os seus treinadores”, diz.

Os técnicos homens tendem a ser mais insensíveis ao tema, enquanto treinadoras mulheres, na experiência da nutricionista, buscam a equipe de profissionais para elaborar uma estratégia nutricional e psicológica antes de chegar ao atleta e apontar questões meramente estéticas, conta Thaís. “Você não vai conseguir nada com essa barriga” é uma das coisas que a especialista já ouviu os treinadores dizerem às atletas.

Márcia aponta que o tema raramente surge nas primeiras sessões, e, quando já existe um transtorno instalado, é mais difícil que o esportista entenda o cenário. De acordo com a sua experiência, tanto atletas mulheres quanto homens podem apresentar um comer disfuncional, mas o tabu para eles é ainda maior. Por isso a psicóloga se classifica como chata: “Eu cobro a relação com o nutricionista desde a primeira abertura que possuo com o atleta. Quanto mais cedo ele acessar informações sobre alimentação, a sua importância para o desempenho no esporte e o funcionamento do próprio corpo, melhor será”, diz.

E como é possível acolher um atleta com transtorno? Para ela, é preciso fazer com que ele chegue no consultório. “É lá que ele vai entender que não está bem e precisa de ajuda. Precisamos desmistificar o trabalho da preparação psicológica para que a importância no desenvolvimento pessoal fique clara: ele não é ‘’louco’’, ao contrário do preconceito que ainda existe. Precisamos falar sobre os transtornos para que seja mais acessível às pessoas”, finaliza.


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Fonte: Folha de São Paulo

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