Turismo do sono é aposta de hotéis a preços exorbitantes – 14/07/2024 – Equilíbrio


Dormir, talvez sonhar. Ou, se não sonhar, pelo menos se sentir vagamente revigorado no dia seguinte, especialmente nas férias. Será que isso é pedir demais?

Para muita gente, sim. Os Estados Unidos estão cansados, de acordo com a Fundação Nacional do Sono (NSF, em inglês), o Centro de Controle e Prevenção de Doenças e o Instituto Nacional de Saúde. E há uma ligação entre noites maldormidas e depressão, segundo a pesquisa feita sobre o tema pela NSF em 2023.

No universo da hotelaria, isso representa uma oportunidade de negócios. O relatório de tendências da Hilton para 2024 revelou que descansar e recarregar as energias é o principal motivo pelo qual as pessoas viajam.

“Os hotéis que estão travando um duelo mortal contra o Airbnb começaram a explorar maneiras de superar a concorrência, oferecendo serviços e comodidades relacionados ao objetivo principal de se hospedar em um hotel: uma noite de sono tranquila”, diz Chekitan Dev, professor ilustre da Escola de Administração Hoteleira Nolan da Universidade Cornell.

“O paradigma anterior era que dormir era a coisa mais chata que se podia fazer durante as férias. Foi só nos últimos dez anos que nós, como sociedade, começamos a falar na importância do sono do ponto de vista da saúde e do bem-estar”, afirma Kaushik Vardharajan, professor associado da Escola de Administração Hoteleira da Universidade de Boston. Agora, segundo ele, uma boa noite de sono não é apenas um argumento de venda para hotéis; é um “nicho em rápida expansão”.

De camas com inteligência artificial (IA) a hipnoterapeutas de plantão, o atual turismo do sono é, basicamente, uma reedição de um modismo do passado. “É a sétima ou a oitava vez que o assunto vem à baila desde meados da década de 1980”, diz Bjorn Hanson, professor adjunto do Centro Jonathan M. Tisch Center de Hotelaria da Universidade de Nova York. Mesmo antes disso, já na década de 1960, os hotéis de luxo ofereciam comodidades para proporcionar um sono melhor, como cardápios de travesseiros. Outras comodidades (cortinas blecaute, máquinas de ruído branco) vieram em seguida.

Hoje em dia os hotéis estão indo muito além do básico para conquistar os clientes que desejam dormir. Veja o que alguns deles estão fazendo.

Camas e óculos inteligentes

Assim como a cama “Heavenly” (“celestial”, em português) da Westin, que os especialistas apontam como um divisor de águas no setor quando foi lançada em 1999, o modelo da Bryte quer desencadear a próxima revolução nos colchões de hotel.

De acordo com Luke Kelly, CEO da Bryte, o colchão com suporte de IA compatível com smartphone, é a única cama com sistema ativo de alívio de pressão, que se ajusta conforme a pessoa se move, para otimizar o sono profundo. O modelo custa US$ 6.299.

Mary Bemis, jornalista que mora no noroeste do Pacífico, recentemente passou duas noites no Carillon Miami Wellness Resort, onde dormiu em uma cama Bryte. “Fiquei realmente surpresa com o balanço sutil do colchão. Foi o conforto de que eu precisava, como se tivesse voltado a ser um bebê.” Também apreciou o recurso Somnify, que sincroniza o movimento com paisagens sonoras (ela escolheu raios e trovões), e disse que seu jet lag causou menos incômodo do que o habitual.

O hotel Park Hyatt Nova York tem cinco suítes com colchões Bryte (com diárias a partir de US$ 1.095), adicionadas depois da reabertura do hotel em seguida a um período de 376 dias de fechamento por causa da Covid. Havia muitos turistas de férias vindos de áreas próximas, segundo Patricia Galas, diretora sênior de comunicação de marketing, e eles não queriam apenas dormir um pouco durante uma viagem de negócios ou férias. Os moradores locais, entediados e privados de sono, buscavam um cenário diferente e a garantia de um bom descanso.

Galas diz que ela e sua equipe discutiram com a Bryte as melhores práticas para ter um bom sono, como manter a temperatura do quarto em 20ºC e recomendar ao hóspede um banho quente (com sais de banho calmantes da Le Labo) e chá de camomila antes de se deitar.

A cama Bryte está presente na Suíte Mindfulness do Park Hyatt Chicago (cuja diária custa US$ 645), assim como em alguns quartos e suítes de outros hotéis, incluindo o Little Nell, em Aspen, no Colorado, e o Rosewood Miramar Beach, em Montecito, na Califórnia.

Com o pacote Sleep Wellness (Bem-estar do sono) do Hotel Beatrice, em Providence, Rhode Island (a partir de US$ 419 a diária), você terá de se contentar com um colchão Serta Perfect Sleeper, mas terá acesso a uma máscara para os olhos que usa calor, massagem e vibração para reduzir sua frequência cardíaca e aliviar a tensão facial, chamada Therabody SmartGoggles. O pacote também inclui um drinque sem álcool no bar da cobertura (o álcool é inimigo do bom sono), além de chás de ervas.

Retiros e outros programas semelhantes

No Carillon, onde Bemis se hospedou, todos os 150 apartamentos (US$ 695 o quarto para uma pessoa ou US$ 995 para duas) contam com camas Bryte. Mas talvez ainda mais intrigante seja o circuito de cinco tratamentos para dormir do spa (US$ 99 cada um), que emprega, entre outras coisas, luz infravermelha, frequências eletromagnéticas, flutuadores de sal e vibração. O novo Sleep Well Retreat (Retiro do bom sono) de quatro noites do resort (US$ 2.598) inclui todos os itens acima, além de uma massagem relaxante e acesso ao circuito de hidroterapia térmica, que conta com uma sauna de ervas, uma sala de chuva e espreguiçadeiras aquecidas por calor radiante.

Em outubro de 2022, o Canyon Ranch Tucson organizou seu primeiro Mastering Sleep Retreat (Retiro para dominar o sono), programa de cinco noites que inclui uma avaliação do sono seguida de sessões com médicos, enfermeiros, nutricionistas e profissionais de bem-estar espiritual com doutorado e mestrado em teologia. A ideia é chegar ao âmago do que está causando a insônia. Depois do retiro, os hóspedes podem manter contato com um treinador de saúde virtual. (Os retiros deste ano serão em Lenox, Massachusetts, no Canyon Ranch, de 28 de abril a três de maio, a um custo de US$ 8.800 por pessoa, e em Tucson, no outono setentrional.)

Casulos aconchegantes

O relaxamento da mente é um tema comum no turismo do sono, mas a abordagem de cada estabelecimento varia. Galas afirmou que os quartos do Park Hyatt são “casulos” afastados da área de estar, o que permite isolar a área de dormir e torná-la escura e aconchegante. Os hotéis Zedwell da Grã-Bretanha, rara opção com preços menos salgados, apresentam “casulos” pequenos com luz difusa (a partir de 112 libras esterlinas, ou cerca de US$ 142, para uma pessoa), sem nenhuma distração da janela à parede: sem TV, sem telefone e, na verdade, sem janelas, o que pode provocar até mais ansiedade em algumas pessoas.

O hotel Tempo da Rede Hilton oferece quartos divididos em três áreas, incluindo “um ambiente de sono envolvente”, com um colchão Sealy Accelerate que tem controle de temperatura e acústica que absorve o som; luzes que ficam mais fracas ao pôr do sol; e, em alguns quartos, bicicletas ergométricas, para pessoas que acreditam que o exercício induz o sono.

No hotel Conrad Bali, o hóspede pode reservar uma sessão Sway privativa de 60 minutos no spa (a partir de 1.500.000 rupias, ou cerca de US$ 95), que consiste em se deitar em uma rede aconchegante muito semelhante a um casulo de verdade. Seu movimento de balanço busca imitar a flutuação em uma nuvem ou a sensação de estar no útero.

No Beaumont, em Londres, o viajante pode se hospedar no que talvez seja o quarto mais aconchegante de todos, chamado simplesmente de ROOM (1.402 libras por noite, ou cerca de US$ 1.780): uma suíte de 70 metros quadrados dentro de uma escultura de aço inoxidável de três andares representando um homem agachado à entrada do hotel. O quarto não tem TV, telefone e nem mesmo arte nas paredes. O objetivo do escultor britânico Antony Gormley, que projetou o ROOM, é que o hóspede “atinja uma quietude meditativa, perca a noção do próprio corpo na escuridão e permita que a mente se expanda”.

Este mês, para coincidir com a Semana de Conscientização do Sono da NSF (que se encerrou no dia 16 de março), o hotel Mandarin Oriental deu início a uma parceria com a hipnoterapeuta Malminder Gill, também conhecida como Concierge do Sono, na unidade do Hyde Park em Londres. (Depois do Hyde Park, o serviço estará disponível no Mandarin Oriental em Mayfair, que será inaugurado nesta primavera setentrional, seguido por eventos temporários na Europa, em Nova York e em outros destinos ainda este ano.) A um custo inicial de 500 libras, os hóspedes tiveram a oportunidade de se encontrar com Gill no spa para uma consulta e uma sessão de sono personalizadas de acordo com seus problemas específicos relacionados ao sono, nas quais a especialista recomendava até os horários ideais para as refeições e a ordem de ingestão dos alimentos. Havia também a opção de uma sessão particular na cama, durante a qual, se tudo corresse bem, os hóspedes simplesmente cairiam em sono profundo. “Sei que isso parece muito bizarro, mas geralmente saio na ponta dos pés”, diz Gill.

O Royal Sonesta Benjamin, em Nova York, tem um programa semelhante, chamado Rest & Renew (Descanso & renovação), comandado por Rebecca Robbins, coautora do livro “Sleep for Success! Everything You Must Know About Sleep but Are Too Tired to Ask” (Durma para ter sucesso! Tudo que você precisa saber sobre o sono, mas está cansado demais para perguntar, em tradução livre).

E os hotéis Hyatt na Nova Zelândia e na Austrália agora contam com o programa Sleep at Hyatt (Durma no Hyatt), que tem como sua guru Nancy H. Rothstein, também conhecida como Embaixadora do Sono. Por US$ 49,50, o hóspede pode adicionar um pacote de rituais de sono (sais de banho, máscara para os olhos, chá, roll-on de aromaterapia para aplicar nos pontos pulsantes); por US$ 190, é possível comprar um par de Dreamers, óculos de luz azul e verde que filtram os raios prejudiciais à melatonina que emanam das telas, caso o hóspede seja um leitor noturno. É claro que isso pode significar adormecer usando óculos, o que, para quem se mexe muito na cama, pode ser contraproducente.

A opinião dos especialistas

Ainda não se sabe o que vai e o que não vai permanecer depois desse atual modismo do turismo do sono. Joseph M. Dzierzewski, vice-presidente de pesquisa e assuntos científicos da Fundação Nacional do Sono, questiona, por exemplo, por que as comodidades especiais relacionadas ao sono não são padrão em todos os quartos de hotel. “O hotel deveria proporcionar um ambiente para as pessoas dormirem.” Seu objetivo não é esse? Além disso, ele explica que é preciso ver o sono em um período de 24 horas. Por mais importante que seja dormir em um quarto escuro, Dzierzewski enfatiza que também é preciso se expor à luz brilhante da manhã e que muita gente esquece como a rotina do dia é importante para um bom sono à noite.

Jing Wang, diretora médica do Centro Integrativo do Sono do Hospital Mount Sinai, acredita que a maioria das pessoas pode resolver o enigma de um sono melhor se souber o que está na raiz de seus problemas, seja a apneia do sono, sejam questões psicológicas. Receber instrução em um resort de luxo em vez de em um laboratório do sono de um hospital pode parecer bom, mas o segredo, segundo ela, é cumprir as recomendações e fazer um bom acompanhamento. Sem isso, há poucas chances de alcançar uma mudança duradoura. “É fácil sugerir que alguém siga nossas recomendações de higiene do sono –manter o local silencioso e escuro, relaxar a mente, não pensar nas coisas que o incomodam durante o dia. Mas, para muitos, pode ser difícil fazer essas coisas, e nesse caso o turismo do sono faz sentido, porque permite que você saia do seu ambiente normal e vá para um que incorpore algumas dessas rotinas saudáveis de sono.”

Da mesma forma, Dzierzewski aponta para uma aflição comum –ficar preso em uma rotina de sono sem qualidade– que uma estada curta em um hotel centrado no sono pode resolver. “Sabemos que sono ruim gera sono ruim, que gera sono ruim, e assim por diante. Talvez você só precise passar a régua e começar de novo, caso esteja preso nessa espiral. Se puder interromper esse ciclo, pode ser que haja alguma mudança positiva duradoura. Mas, sem informações adicionais sobre como o ciclo começou, questiono se haverá ou não algum benefício em longo prazo.”

O que nenhum desses hotéis, colchões ou retiros pode fazer é remover permanentemente de sua cama o smartphone, as crianças chorando, as listas de tarefas mentais, o terror existencial e outros vilões comuns do sono.

E, claro, nem todo mundo pode pagar US$ 500 ou mais para ter uma noite bem dormida.



Fonte: Folha de São Paulo

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