Eu equilibro o suporte do coador de café, um pedaço de plástico verde-limão, em cima de uma pilha de pratos recém-lavados no escorredor de louça. É a primeira vez na semana que eu lavo a louça e só tive o ímpeto de fazê-lo porque não havia mais nenhum talher limpo em casa. O conjunto de 24 garfos, colheres e facas —o jogo mais barato que encontrei na loja de departamento— todo sujo. O volume de louça suja na pia é sempre um indicativo de que minha saúde mental não vai bem.
Quem me vê da porta do meu apartamento para fora jura que está tudo sob controle na minha vida. É um hábito que adquiri na infância e levei para vida adulta: só pedir ajuda em último caso. O problema é que eu nunca acho que o “último caso” chegou, então preciso tentar resolver tudo sozinha.
O que é “tudo”, você me pergunta? Bom, acho que nesse caso “tudo” sou eu mesma. Veja bem, é que eu estou passando por um período meio complicado no trabalho, mas não se preocupe, tudo está sob controle. Os resultados estão dentro do esperado, ninguém precisa perguntar duas vezes.
O problema mesmo é dentro de casa. Eu moro sozinha e vim direto para casa depois do trabalho. Estava cansada, não deu tempo de passar no mercado para comprar algumas coisas que estão faltando na geladeira. Preciso lavar roupas e eu bem queria ir à academia.
Minha psicóloga diz que, quando eu preciso equilibrar muitos pratos, o primeiro que deixo cair é o meu próprio. Tomo um banho e deito para dormir, não quero pensar em comida.
Acho engraçada a analogia dos pratos, pois, se pensarmos num prato de almoço, por exemplo, o meu estaria significativamente mais vazio do que os demais e seria, então, mais fácil de segurar. A psicóloga não acha graça.
Tentativa de rir dos meus problemas à parte, entendo o que ela quer dizer: se eu precisar priorizar algo, raramente (para não dizer nunca) priorizo a mim mesma. Em partes porque acho que meus problemas não são tão importantes. Todo o resto, que não me diz respeito, é mais urgente.
Essa tentativa de fugir dos meus problemas não é nova para mim. Sempre começa com a louça, depois eu vou deixando de me alimentar direito, desapareço das conversas de WhatsApp, dos encontros com amigos, paro de fazer as coisas de que gosto. Só quero dormir e não pensar em mais nada. Fingir que eu não existo.
Hoje em dia eu reconheço os sinais e, junto da psicóloga, elaborei uma rota de fuga para quando eu noto que as coisas começaram a ficar ruins novamente. O primeiro passo é o mais difícil: eu preciso avisar uma amiga. Dizer que não está horrível, mas que eu estou me afundando em auto ódio e não estou encontrando propósito nas coisas. Com essa amiga ciente, preciso me forçar a fazer coisas que eu não tenho a menor vontade de fazer: lavar a louça, tirar o lixo, arrumar a cama, dar uma volta na rua, ver gente, comer uma refeição completa.
Foi uma amiga que me salvou de me afogar no fundo do poço em 2021, quando a pandemia, um término de relacionamento e a perspectiva de desemprego foram demais para mim. Foi ela que segurou minha mão, me incentivou a procurar ajuda psicológica e psiquiátrica, foi meu ombro amigo e fez inúmeras panelas de purê de batata, brócolis e filé de frango.
Agora que entramos no Setembro Amarelo, cabe sempre o lembrete para que você cheque a saúde mental dos seus amigos e os incentive a buscar a ajuda necessária, mesmo que, externamente, tudo pareça sob controle.
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