Uma alimentação baseada nos preceitos da dieta planetária é capaz de ajudar na preservação das funções cognitivas em pacientes adultos. Essa conclusão só foi possível graças a um estudo inédito realizado por pesquisadores da USP em parceria com outros centros de pesquisa no Brasil. Em particular, os efeitos protetores deste regime foram pronunciados entre pessoas com mais de 60 anos, revelando seu potencial como intervenção preventiva.
A dieta planetária consiste em uma alimentação predominantemente feita com legumes, verduras, frutas e cereais integrais. Por outro lado, esse regime é feito com base no baixo consumo de carnes, especialmente as vermelhas, ovos, cereais refinados e tubérculos. Ela foi pensada por uma comissão científica não só para trazer benefícios para a saúde humana como também pensando nas possibilidades de produzir comida para oito bilhões de pessoas de forma sustentável para a Terra.
Durante a pesquisa, os especialistas observaram uma diferença de comportamento entre diferentes grupos socioeconômicos. Participantes de renda alta tiveram maior aderência à dieta planetária do que aqueles mais pobres, e, por consequência, foram os que disfrutaram de maiores benefícios.
Para Claudia Suemoto, professora da USP e uma das autoras do estudo, muitos itens da dieta planetária não são acessíveis para a população mais carente, como alimentos integrais ou castanha. “Uma coisa que vem preocupando bastante o grupo é o quanto essas dietas saudáveis exigem um alto nível socioeconômico. Boa parte delas pressupõe o consumo de alimentos que não são muito acessíveis para a população”, afirma Suemoto.
A pesquisa conduzida por seu grupo mostrou uma diferença nos itens mais consumidos por cada grupo social. Enquanto os mais ricos deram preferência a carne de porco, alimentos integrais, castanhas e vegetais verdes escuros, entre os pobres o feijão e as frutas tiveram maior popularidade. Essa mudança na composição do prato, segundo a especialista, faz diferença em termos de benefícios finais.
O trabalho revela de forma inédita a associação entre essa dieta e benefícios cognitivos e foi publicado na revista científica Nature Aging no mês passado.
Na pesquisa, mais de 11 mil pacientes de seis diferentes instituições públicas brasileiras foram acompanhados por oito anos em média, período no qual passaram por três avaliações. Em cada uma delas preencheram um questionário sobre os hábitos alimentares do último mês e passaram por testes de cognição para avaliar a memória, a linguagem e as funções executivas.
Embora seja extenso, o trabalho tem limitações importantes. Em primeiro lugar, o questionário usado para avaliar a alimentação pode ter imprecisões, já que está suscetível à capacidade de memória e estimativa dos participantes e as respostas podem ser enviesadas. Além disso, os participantes, todos empregados de instituições públicas brasileiras, não oferecem uma representação fidedigna da população brasileira.
Proposta pela comissão EAT-Lancet, composta por renomados pesquisadores em saúde, meio ambiente e alimentação de todo o mundo, a dieta planetária tem chamado a atenção dos principais grupos de pesquisa do mundo. Seus benefícios estão sendo comprovados por novos estudos científicos cada vez mais robustos.
Segundo Manuela Dolinsky, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense) e diretora do Conselho Federal de Nutricionistas, essa dieta traz benefícios para a melhora da saúde cardiovascular, ajuda no controle do peso, reduz o risco de diabetes do tipo 2 e tem a capacidade de contribuir para a prevenção de alguns tipos de câncer.
No ano passado, um grupo de pesquisa chinês publicou na revista Journal of the American Medical Association dados de uma pesquisa com uma corte com 57 mil adultos associando menor risco de morte por doença crônicas, cardiovasculares, respiratórias e câncer entre os participantes com maior adesão à dieta planetária.
Além disso, esses cientistas também conseguiram estimar os impactos ambientais dessa alimentação. Eles afirmam que a redução do consumo de grãos e de carne vermelha seria capaz de reduzir as emissões de gases do efeito estufa, principal responsável pela crise climática, do setor agropecuário em 49%.
Se por um lado esse regime está relacionado a menores taxas de emissão desses poluentes, por outro a produção desses alimentos depende do uso de maiores quantidades de água e de solo. Assim, os autores concluem que os benefícios para o meio ambiente são mais incertos.
Outra pesquisa, publicada na revista American Journal of Clinical Nutrition este ano fez o levantamento dos casos de doenças cardiovasculares entre os mais de 114 mil participantes do Biobanco do Reino Unido. Depois de nove anos de acompanhamento, os resultados apontam que a aderência à dieta planetária foi capaz de reduzir o risco de problemas cardiovasculares mesmo entre aqueles com predisposição genética.
“Acho legal a gente validar esse conceito criado nos Estados Unidos e na Europa aqui no Brasil”, diz Suemoto. “Não necessariamente o que é bom do ponto de vista individual é bom do ponto de vista ambiental. Essa dieta tenta balancear as duas coisas, o que a gente vai precisar fazer. A gente vai ter que preservar a saúde da população, mas também do planeta.”