Crianças portadoras do TEA (transtorno do espectro autista) podem apresentar alterações específicas da sua microbiota intestinal associadas à condição.
Tais alterações incluem a presença de microrganismos de pelo menos quatro grupos diferentes, levando ao que os médicos chamam de disbiose, ou desequilíbrio da microbiota intestinal, quadro que pode agravar os sintomas da condição.
Os achados podem ajudar no desenvolvimento de novas ferramentas diagnósticas para o autismo e a compreender melhor como as mudanças fisiológicas intestinais atuam no sistema nervoso cerebral.
A pesquisa foi publicada nesta segunda-feira (8) na revista especializada Nature Microbiology, do grupo Nature, e é coordenada por Siew Ng, professora do departamento de medicina e terapêutica da Universidade Chinesa de Hong Kong e diretora do Centro I de Microbiota (MagIC) da mesma universidade.
Já existiam estudos correlacionando a disbiose com a manifestação clínica do TEA, mas eles focaram principalmente em análises a partir de um único grupo de microrganismos (por exemplo, bactérias).
Para avaliar a complexidade das alterações da microbiota intestinal com o autismo, foram feitas análises de sequenciamento de amostras fecais de participantes de cinco grupos de estudo diferentes, totalizando 1.627 crianças de um a 13 anos com ou sem autismo.
Como o interesse era saber quais os organismos presentes nas amostras, o método empregado foi a metagenômica, técnica que detecta, em uma única amostra, fragmentos genéticos de todos os organismos ali presentes, incluindo humanos. Isso gerou uma base de mais de 10 terabytes de dados sequenciados.
Para o grupo controle, foram avaliadas 196 crianças sem autismo, mas com outros transtornos que também apresentam alterações intestinais associadas, sendo 118 com TDAH (transtorno do déficit de atenção e hiperatividade) e 78 com dermatite atópica.
Nas amostras de crianças com TEA foram identificadas 51 bactérias, 18 vírus, 7 fungos e 14 archaea (organismos unicelulares morfologicamente semelhantes a bactérias, mas que são genética e bioquimicamente distintas destas e dos demais organismos eucariontes), além de 27 genes de microrganismos e 12 alterações em cadeias metabólicas.
Usando um modelo de inteligência artificial, a presença de um desses microrganismos esteve associada ao diagnóstico de autismo em 91% dos casos, contra uma acurácia de 68% a 87% em modelos que usavam apenas um microrganismo como preditor de TEA.
Com isso, novas ferramentas diagnósticas, incluindo organismos de todos esses grupos diferentes, podem ajudar a aprimorar a detecção precoce de TEA em crianças pequenas, assim como ajudar a entender os mecanismos envolvidos entre o autismo e as alterações da microbiota intestinal.
No artigo, os autores escrevem que há um intenso debate entre especialistas sobre se a disbiose associada ao transtorno é provocada por preferências alimentares ou não, e que o presente estudo mostrou essa associação entre alimentação e mudanças da microbiota. Porém, escrevem, algumas das alterações permaneceram mesmo quando as dietas das crianças com TEA foram alteradas.
Além disso, a inclusão de outros dois grupos de crianças que também apresentam disfunções na microbiota intestinal (TDAH e dermatite atópica) levou à detecção de diferentes grupos de microrganismos, aumentando a compreensão de que haja uma especificidade entre as mudanças na microbiota associadas ao TEA e às outras condições.
Como conclusão, o presente estudo demonstra um painel altamente específico de microrganismos de quatro grupos diferentes em crianças com autismo que pode ajudar no diagnóstico não invasivo, afirmam.
“A descoberta de marcadores que possam ser replicados e o desenvolvimento de modelos preditivos da condição combinados com análises de diferentes crianças com TEA podem criar a base para exames diagnósticos no futuro e estudos baseados em evidência sobre as características do autismo.”