Como dormir tão bem quanto um atleta olímpico – 13/08/2024 – Equilíbrio


No dia em que embarcou para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2021, o ginasta irlandês Rhys McClenaghan acordou às 4h30 para treinar, na esperança de ficar exausto.

Em uma tentativa de vencer o jet lag, ele planejou dormir apenas durante a primeira metade do voo de 16 horas, torcendo para que seu relógio biológico entrasse no novo fuso horário —oito horas à frente de Dublin—, quando o avião pousasse.

“Meu treinador disse que ele me acordaria no meio da noite, e assim eu deveria ser capaz de fazer uma rotina (de ginástica artística) imediatamente”, contou McClenaghan em um vídeo que postou no YouTube na época.

Parece que estar preparado para brilhar a qualquer momento, mesmo com uma quantidade insuficiente de sono, é apenas parte do trabalho de base necessário antes de uma competição esportiva.

A maioria dos atletas olímpicos passa por anos, ou até décadas, em regimes de treino e condicionamento físico exaustivos, enquanto se preparam para competir.

No entanto, o sono é uma parte crucial —e que, muitas vezes, passa despercebida— da performance de um atleta nos Jogos.

Não é novidade que o sono é essencial para o cérebro e para o corpo. Não dormir o suficiente pode contribuir para problemas de saúde física e mental.

E embora todo mundo sinta as consequências de uma noite ruim de sono, no mundo do esporte de elite —em que reduzir frações de segundo de um tempo pode significar ganhar ou perder uma medalha—, pode fazer uma grande diferença.

Nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008, por exemplo, uma melhora de 1% teria significado uma medalha de ouro para a competidora que ficou em quarto lugar nas provas femininas de 400m da natação, de 400m do atletismo, e no ciclismo de estrada. Também teria garantido uma medalha de prata ao velocista que ficou em quarto lugar na prova masculina dos 100m.

Sem dúvida, muitas pesquisas científicas destacam como uma noite maldormida e a privação de sono podem ter um efeito prejudicial no desempenho esportivo.

Muitos atletas de elite incluem o sono em seus cronogramas de treinamento como parte essencial da sua preparação para competições. A velocista Gabby Thomas, que conquistou a medalha de ouro para os EUA, por exemplo, contou como priorizar o sono a ajudou a se tornar uma das melhores corredoras do mundo.

A delegação britânica de ciclismo chegou a levar seus próprios travesseiros e colchões para os Jogos Olímpicos de Pequim 2008, para que seus atletas pudessem dormir na mesma posição todas as noites, o que poderia ajudá-los a obter “ganhos marginais”. Isso levou a equipe a conquistar sete das 10 medalhas de ouro disponíveis no ciclismo de pista.

De acordo com um estudo de pesquisadores da Universidade de Stanford, nos EUA, prolongar o sono passando pelo menos 10 horas na cama por noite melhorou os tempos de sprint, a precisão dos arremessos e diminuiu a fadiga entre jogadores de basquete universitários. Os pesquisadores dizem que o sono e o descanso foram tão importantes quanto os treinos e a alimentação.

Outros estudos mostraram que atletas de elite que dormem apenas quatro horas por noite durante três noites sofrem uma diminuição na coordenação das articulações, e não conseguem saltar tão alto quanto poderiam com mais de sete horas de sono por noite.

Para corredores de ultramaratona, o tempo gasto dormindo nas noites anteriores a uma competição foi responsável por cerca de um terço da variação no desempenho entre competidores de triatlo de ultrarresistência.

“Se você imaginar uma pirâmide, [o sono] é a base, ou a fundação de um edifício”, diz o cientista esportivo Matthew Crawley, treinador assistente de força e condicionamento do Dallas Stars e professor da Universidade Canisius, em Buffalo, Nova York, nos EUA.

“É fascinante —quando o corpo está se recuperando durante o sono, o hormônio do crescimento é liberado, e as emoções são reguladas… São processos fisiológicos complexos no organismo que passam despercebidos.”

Para atletas de nível internacional, o sono permite aumentar a concentração, aguçar o estado mental durante as competições, assim como promover uma recuperação mais eficiente, reduzindo, consequentemente, o risco de lesões.

No entanto, os atletas olímpicos frequentemente dormem menos do que as oito horas recomendadas por noite, especialmente na noite anterior a uma competição. Estudos sobre a qualidade global do sono mostram que de 50% a 78% dos atletas de elite sofrem com distúrbios do sono —e de 22% a 26% sofrem com fortes distúrbios do sono.

Isso pode ser devido a uma série de razões —desde sessões de treino de manhã cedo e tarde da noite, ambientes com os quais não estão familiarizados para dormir, mudanças de fuso horário e estresse psicológico devido a pressões em relação à performance.

A privação do sono tem efeitos negativos no desempenho dos atletas, prejudicando seu tempo de reação, precisão, força e resistência —e também afeta suas funções cognitivas, como tomada de decisão e julgamento.

Mas isso pode variar entre esportes e indivíduos —por exemplo, no tiro com arco, afeta as habilidades motoras finas, tempo de reação e tomada de decisão. Já em um sprint de 100m, os efeitos podem ser sentidos na velocidade, potência e resistência.

Atualmente, existe um número limitado de pesquisas sobre como esportes específicos afetam o sono, embora um estudo tenha mostrado que atletas de esportes individuais foram para a cama mais cedo, acordaram mais cedo e dormiram menos do que atletas que disputam provas em equipe.

Isso pode ser influenciado pelas demandas de treinos —por exemplo, esportes como natação e triatlo podem exigir várias sessões de treino por dia, o que, por sua vez, pode prejudicar a qualidade do sono.

Cotovias x corujas

Se você me pedir para acordar às 6h da manhã para ir à academia, eu vou rir educadamente na sua cara. O único peso que gosto de levantar de manhã é a chaleira para fazer meu chá. Enquanto eu tenho dificuldade de praticar exercício pela manhã (preciso esperar meu corpo acordar completamente), algumas pessoas se sentem com menos energia à noite.

E existe uma ciência por trás disso, uma vez que ser uma “coruja” notívaga ou uma “cotovia” matinal afeta o desempenho esportivo.

O relógio biológico interno do nosso corpo tem um ciclo de aproximadamente 24 horas. Esse ciclo ajuda a alinhar nosso sono com o ambiente, como o anoitecer, quando comemos ou quando estamos fisicamente ativos. Este ciclo é conhecido como ritmo circadiano.

Pesquisadores da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, descobriram que o desempenho de um atleta também pode ser diferente dependendo do seu ritmo circadiano, depois que 20 jogadoras de hóquei sobre grama realizaram um teste de aptidão física em várias etapas (também conhecido como teste BLEEP) em seis momentos diferentes do dia, entre 7h e 22h.

As “cotovias” estavam no seu auge às 12h, as “intermediárias” alcançaram seu ápice pouco antes das 16h, e as “corujas”, pouco antes das 20h —houve uma diferença de 26% entre seus melhores e piores tempos.

Em última análise, os resultados indicam que determinar o padrão circadiano de um atleta pode ajudá-lo a entender quando ele tem um desempenho melhor.

Crawley também menciona o processo conhecido como impulso de sono homeostático, que funciona simultaneamente com o ritmo circadiano, aumentando ao longo do dia para nos deixar sonolentos à noite.

“Sem dormir, pode ser desafiador para o corpo regular o metabolismo, a imunidade, a função neurológica, cognitiva, a saúde emocional e física”, diz ele.

Embora seja improvável que as provas das competições oficiais mudem porque um atleta pode ter um desempenho melhor em determinada hora do dia, Crawley acredita que personalizar o treino e as rotinas de sono de acordo com o ritmo circadiano de um atleta pode “mudar o futuro do treinamento”.

Como a tecnologia pode ajudar

Embora diários de sono e questionários também possam ser eficazes para monitorar como você acha que dormiu, dispositivos fitness “wearables” (acessórios inteligentes, como relógios e pulseiras) estão ganhando popularidade, uma vez que fornecem dados concretos sobre a quantidade e a qualidade do sono.

Eles monitoram as fases do sono —REM (movimento rápido dos olhos) e não-REM (que é dividida em sono leve, profundo e o estágio mais profundo do sono)—, assim como a duração e latência do sono (quanto tempo leva para você adormecer).

Analisar as métricas permite que especialistas obtenham informações sobre os padrões de sono e identifiquem as áreas em que os atletas podem melhorar sua higiene do sono.

Mas isso pode não funcionar para todos os atletas, adverte Crawley. Alguns podem se sentir mais estressados ao conferir os dados a cada manhã.

“Alguns podem não checar na noite anterior ou no dia de uma competição, uma vez que pode afetar sua preparação psicológica. Por exemplo, se eles só conseguiram dormir seis horas na noite anterior, mas sabem que provavelmente precisam de pelo menos sete ou oito horas para se sentir bem”, explica.

Como os atletas podem ter uma rotina de sono saudável?

Novas pesquisas mostram que as rotinas de higiene do sono são uma maneira eficaz para os atletas regularem seu sono —e garantirem que seja uma prioridade.

No entanto, isso requer comprometimento —por exemplo, acordar no mesmo horário todos os dias, estabelecer uma rotina para dormir, limitar a cafeína e evitar a luz azul de dispositivos eletrônicos.

McClenaghan, por exemplo, usa óculos com lentes de cor vermelha para bloquear a luz azul durante as viagens.

Curiosamente, embora a exposição à luz azul antes de dormir possa afetar a qualidade do sono, em outros momentos do dia pode melhorar o tempo de reação e o estado de alerta, o que pode ser benéfico em alguns esportes.

“Entender a próxima programação deles é importante —como é a semana de treinamento? Quando é a competição?”, explica Crawley.

“Eles poderiam ir para a cama um pouco mais cedo ou se dedicar a pegar sol pela manhã antes de viajar?”

A luz solar pela manhã ajuda a regular o ritmo circadiano, elevando nossos níveis de serotonina e suprimindo, por sua vez, a melatonina (hormônio natural que aumenta à noite para ajudar a controlar como e quando você dorme).

Um novo conceito de “poupança de sono” (dormir por mais tempo na noite anterior a uma noite maldormida) também foi sugerido para melhorar a performance dos atletas.

Foi demonstrado ainda que tirar uma soneca oferece efeitos positivos para o desempenho esportivo —um cochilo rápido de 30 ou 90 minutos mostrou aumentar o estado de alerta e reduzir a fadiga relacionada ao esporte.

Embora possa não ser a tática mais útil para aqueles que têm dificuldade de pegar no sono, a soneca pode ser usada para complementar uma noite de sono maldormida ou para combater a “sonolência diurna”.

A delegação britânica investiu, inclusive, em cápsulas para dormir para os Jogos de Paris 2024, no intuito de ajudar a otimizar a quantidade e a qualidade do sono dos atletas em um ambiente desconhecido e de alta pressão.

Acho que meus dias de usar o celular na cama antes de dormir acabaram —porque se reclamar de ter dormido mal na noite anterior fosse um esporte olímpico, eu certamente teria uma medalha de ouro.

Como melhorar sua rotina de sono

De acordo com Crawley, você pode seguir os passos abaixo para melhorar sua rotina de sono:

1) Durma mais —idealmente, tente dormir oito ou nove horas por noite;

2) Desenvolva um cronograma de sono consistente, com rotinas regulares para ir dormir e acordar;

3) Personalize o ambiente do seu quarto —mantendo sempre fresco, calmo e escuro;

4) Relaxe da melhor maneira para você —pode ser tomando um banho frio ou quente, lendo, praticando meditação ou exercícios respiratórios;

5) Limite o uso de eletrônicos até uma hora antes de dormir —use em modo noturno quando puder;

6) Crawley também recomenda algo que ele chama de regra 3, 2, 1: nenhum exercício físico três horas antes de dormir; nenhuma refeição duas horas antes; e nenhum eletrônico uma hora antes.

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.



Fonte: Folha de São Paulo

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